4.5.09

Moradores de Rua, um problema que é melhor esconder

Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam — Isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia.
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre o sangue,
Em que o arbitrário tem a força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza...
Não digam nunca: Isso é natural!
A fim de que nada passe por ser imutável."
Bertolt Brecht

Muitos preferem virar a cabeça ao lado e lançar o olhar para outra direção ao invés de se deparar com um morador de rua. Outros já mais habituados com essa gente, quando os encontram deitados na calçada, passam por eles como se invisíveis fossem. Mas eles estão ali e por todo lado, e continuarão enquanto houver as imensas desigualdades econômicas, os disparates sociais, o preconceito. E, então, o que fazer com eles?

De certo que não há solução de curto e médio prazos para responder essa questão. Mas passam-se décadas e sociedade e governos fazem vistas grossas ao drama de milhares de pessoas que vivem nas ruas.

Agora, a Secretária de Assistência Social da prefeitura de São Paulo, Alda Marco Antonio, está promovendo mudanças na forma de atendimento oferecida para estas pessoas que, sem onde morar, vivem nas ruas. Saem de cena os Albergues e entram os Centro-Dia. No primeiro, os moradores de rua encontravam abrigo para passar a noite, com leitos, chuveiro e também refeição oferecida por organizações da sociedade civil. No segundo, como o nome sublinha, o atendimento será oferecido de dia, com serviços médico, psicológico e social. Não há leitos para passar a noite.

Os albergues já fechados, segundo reportagem da Folha de S.Paulo de 30/04, foram os localizados na região central da cidade. Nos bairros eles ainda permanecem. Portanto, segundo a prefeitura, o morador de rua do centro da cidade que se recusar em ser removido para bairros como Vila Alpina e São Miguel Paulista se quiserem poderão "se encostar e dormir no centro de convivência, não terá problema”. Ora, sem cama, vão trocar o chão da rua pelo chão do Centro-Dia, grande política social essa da prefeitura.

Acusações de que a administração municipal está aplicando uma política higienista no centro, uma “limpeza social” tirando o morador de rua do centro e o levando para a periferia foram retomadas. Vale lembrar que a gestão Serra/Kassab colocou embaixo de túneis e viadutos pedriscos e inclinações nos vãos para impedir a acomodação dos moradores de rua – isso pode ser visto no acesso rebaixado entre a Av. Paulista e a Rebouças, por exemplo – e, também, na reforma da Praça da Sé colocou bancos com divisórias – para delimitar os lugares de assento – impedindo assim que os moradores pudessem usar os bancos para deitar.

No fundo, todas essas políticas são ineficazes e tão superficiais que jogam apenas uma cortina de fumaça sobre o tema.

Não sou especialista no assunto, mas tive a oportunidade de conviver numa ocasião com moradores de rua. Foi em 1989, quando o movimento estudantil secundarista de São Paulo fez um acampamento em frente à Secretaria Estadual da Educação, na Praça da República, em apoio à greve dos professores que já se arrastava por 90 dias. Fomos acampar para nos solidarizar com a reivindicação dos professores e mostrar para a sociedade que os alunos queriam a solução do impasse para não perder o ano escolar.

O acampamento teve início com uma única barraca. Eu estava lá. Aos poucos outros estudantes foram chegando com suas barracas e em menos de 5 dias tínhamos um acampamento com 15 barracas que ficou de pé por 14 dias, até a polícia militar com sua truculência nos tirar de lá a porrete.

Bem, vivi 15 dias na Praça e conheci boa parte dos moradores de rua dali. Conversávamos com eles: crianças, adultos, idosos, homens mulheres. Nada como o diálogo e a aproximação para nos despir dos conceitos previamente impostos pela sociedade. São todos pessoas, como nós. Um deles era um homem que tinha por volta de 45 anos, passava toda a noite ali nos bancos de cimento da praça. Ele cantarolava a 9º Sinfonia de Bethoven, o Bolero de Ravel e outros clássicos da música. Falava inglês, francês e alemão, seu português era impecável. Como aquele homem aparentemente culto vivia na rua sujo, perambulando pela cidade? No plano Collor perdeu tudo, a família se jogou contra ele e, envergonhado, foi para a rua. Passou algum tempo e depois não teve mais coragem de voltar. Para a maioria da sociedade esse é um comportamento incompreensível e julgamos essas pessoas como loucas. Mas não são. Julgar o outro é muito fácil.

Outros eram crianças. Tinha um garoto de uns 7 anos que foi de certa forma “adotado” pelo acampamento. Um amigo que estava conosco, o Hélcio, virou o paizão dele. Ele cheirava cola, tinha o aspecto delinquente, ‘nóia’. A cola era a sua comida, a sua bebida, o seu cobertor contra o frio, a sua coragem contra os perigos da rua e a sua senha de sociabilidade com os outros garotos como ele. Em nossas conversas ele dizia que sonhava ir para a escola e ser como os outros. Mas quem lhe oferecera uma chance?

São pessoas de aspecto deplorável, andam sujas, malcheirosas, parecem loucas e nos causam estranhamento, em muitos asco. É melhor ignorá-las ou apelar para políticas que as levem para longe de nossos olhares, deslocando o problema, mas não o enfrentando para buscar soluções.

2 comentários:

  1. Dá uma olhadinha no texto de dezembro/2007, sobre esse tema: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=29764
    Beijo

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  2. Renata, aqui no nosso local de trabalho, os moradores de rua ficam em evidência absoluta. São várias modalidades de moradores de rua. Existe inclusive uma pesquisa onde aponta muitos deles como opção definitiva de morar na rua, para ficarem desprovido de compromissos com a sociedade. Isso é muito penoso para estas pessoas. A outra modalidade - aqui no centro principalmente - são muito jovens, são crianças e adolescentes que sairam de casa expulsos pela violência doméstica e atrás da droga. É deplorável e degradante. Acho que as políticas públicas teriam que se especializar nas abordagens e oferecer muito mais que abrigo...

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