Na queda de braço entre os produtores musicais de Caetano Veloso e o Ministério da Cultura os primeiros saíram vencedores. O prêmio foi a liberação de R$ 1,7 milhão para a turnê do cantor “Zii e Zie”.
Eles ingressaram com projeto para arrecadar R$ 2 milhões através da Lei Rouanet para os shows do cantor. Em maio, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), instância do Minc que analisa os projetos, negou autorização para a inclusão do projeto na captação de recursos através da Lei de Incentivo à Cultura, por considerar que a turnê, que deve passar por 22 capitais, não precisa de incentivo por ser comercialmente viável.
Contudo, essa não foi a avaliação do ministro Juca Ferreira, que reviu a decisão da CNIC e liberou os recursos para Caetano. "Não sou masoquista para trabalhar só com artistas malsucedidos. O ministério não tem vocação para irmã Dulce ou para Madre Teresa de Calcutá”, afirmou o ministro da Cultura em entrevista à Folha de S.Paulo publicada em 13/06.
Residem nesse episódio ao menos duas questões que mereceriam maior reflexão. A primeira é discutir a legitimidade ou não de artistas como Caetano Veloso pleitearem recursos da Rounaet para seus empreendimentos. A segunda é avaliar qual o papel do Estado na promoção de políticas públicas de cultura e a triste declaração do ministro Juca Ferreira.
Legitimidade ou não
Se não há restrição explicita na legislação que impeça o artista, não há conflito legal em ingressar com projetos. Contudo, há no meu entendimento um conflito moral. A não ser que o projeto em tela se destinasse a estender a turnê para palcos alternativos (me refiro a regiões de baixa renda nas capitais e cidades do interior) e para públicos que em situação normal não teriam acesso ao espetáculo, não considero legítimo por parte de Caetano Veloso – um artista que conhece tão bem a realidade do país e que procura ser tão crítico politicamente – a ingressar com tal pedido.
A contrapartida apresentada pelo Minc de redução dos valores do ingresso não atende ao critério anterior. Vejamos: a turnê Zii Zie está sendo apresentada em teatros como o Chevrolet Hall em Belo Horizonte, Floripa Music Hall e espaços que por sua localização e natureza já selecionam o público. Ao fim e ao cabo, com um ou outra exceção, os beneficiados pela redução dos ingressos serão o público que pagaria o ingresso sem o valor do subsídio.
Quem é malsucedido?
O outro aspecto é a conduta do ministro Juca Ferreira e sua no mínimo infeliz declaração. Artista malsucedido para ele é o que exatamente? Aquele que não alcançou a visibilidade da fama e ganhou as ondas do rádio e da TV? Artista malsucedido é aquele que por opção ou força das circunstância tem uma carreira restrita ao teatro e não tem o ibope das novelas da Rede Globo? Artista malsucedido é aquele que rala diariamente para ganhar o pão de cada dia como músico nos bares da vida, ou o artista plástico que não alcançou as grandes galerias de arte?
Ouvir de um ministro de Estado, responsável por promover a Cultura que sua função não é ser a irmã Dulce ou Madre Tereza de Calcutá é uma ofensa que valeria, sem hesitação, um convite para o olho da rua. Ora, é exatamente o papel do governo, do poder público criar, desenvolver, implementar e gerir projetos que promovam a inclusão e a difusão da produção cultural, digamos, não visível. Nesse sentido, a referência as reconhecidas e respeitadas ações de irmã Dulce e Madre Tereza de Calcutá deveriam ser uma referência orgulhosa do ministro e não negativa.
O debate em torno das Leis de Incentivo à Cultura, em particular a Rouanet, esbarra sempre no fato de que, uma fatia considerável dos projetos de renúncia fiscal para incentivar a cultura é destinada a grandes produções que se viabilizariam comercialmente – talvez com uma margem menor de lucro – sem ela. Não quero com isso dizer que peças, filmes e shows dos tais “artistas consagrados” estejam automaticamente vedados para buscar tais benefícios, mas sim que eles devem ser concedidos sempre visando a promoção e inclusão dos setores sociais mais populares e carentes.
Sobre o assunto, a coluna da Mônica Bergamo de 16 de junho, procurou o cantor após o seu show, em São Paulo, veja a saia justa que vestiu o Caetano:
CAETANO E A LEI ROUANET
Você não está entendendo quase nada do que eu digo...
"Sinceramente, nunca pensei a Lei Rouanet do ponto de vista da música popular. Sempre considerei o negócio da música muito bem-sucedido no Brasil. Não parecia precisar de incentivos maiores do que os que já tinha. A área que me vem à mente logo que se fala em Lei Rouanet é a do cinema."
As palavras são de Caetano Veloso, numa entrevista para a revista "Cult" que está nas bancas. Ele, no entanto, poderá se beneficiar da própria Lei Rouanet. Como revelou a Folha, os produtores do cantor apresentaram projeto para captar dinheiro para o "Tour Caetano Veloso", no valor de R$ 2 milhões, que prevê shows do novo CD do cantor, "Zii e Zie", em 22 capitais.
A comissão que analisa as propostas negou autorização para captação por entender que o projeto não precisa de incentivo por ser comercialmente viável. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, já sinalizou, na semana passada, que pode rever a decisão.
A coluna teve acesso ao camarim de Caetano logo depois do show dele, em SP, na sexta. E tentou saber do próprio cantor se ele mudou de opinião. Abaixo, o diálogo dele com a repórter Adriana Küchler, que foi gravado:
FOLHA - Estão me expulsando daqui [meia hora depois do fim do show, a assessoria do cantor pediu à coluna que saísse do camarim]. Deixa eu fazer uma pergunta.
CAETANO VELOSO - Você disse que tinha duas. Faça logo que a gente se livra. Se eu souber a resposta.
FOLHA - Sobre a história da Lei Rouanet. Você deu uma entrevista para a revista "Cult" falando que pensava na Lei Rouanet mais para o cinema e não para a música.
CAETANO - É, naquela altura, foi o que eu disse na entrevista. É isso mesmo.
FOLHA - Mas você acha que hoje a música popular precisa de incentivo?
CAETANO - Não, não acho, continuo pensando a mesma coisa. É aquilo que eu disse. A Folha já me entrevistou sobre isso. Eu mandei uma resposta bem clara. Eu conversei com o ministro [Juca Ferreira]. Eu mandei por e-mail essa entrevista [o e-mail de Caetano é o seguinte: "Não. Não há nenhum estremecimento entre mim e o ministro [Juca]. Ele foi assistir ao meu show em Brasília e conversamos bastante"].
FOLHA - E a tua opinião mudou? Era isso que eu queria entender. CAETANO - Não, não mudou. Por que mudaria?
FOLHA - Porque hoje você acha que a música precisa de incentivo...
CAETANO - Quem disse que eu acho? Por que você tá me dizendo o que eu acho?
FOLHA - Porque o seu projeto está inscrito para [captar dinheiro pela Lei Rouanet]...
CAETANO- [interrompendo] Não, isso é outra coisa. Os projetos são todos inscritos. Entendeu? Eu não acho isso. Eu acho o que eu disse. Tá?
FOLHA - Tá bom.
CAETANO- Pode ir embora.
FOLHA - Tá bom. Tô indo.
CAETANO- Vá logo.
FOLHA - Tá bom.
CAETANO- Mas vá logo.
FOLHA - Tô indo, Caetano. Boa noite.
CAETANO- Boa noite.
A assessoria do cantor afirma que ele não se incomodou com o tema da conversa, mas sim com a forma de abordagem e o momento - o cantor não gosta de receber repórteres para entrevistas no camarim em dias de estreias de seus shows.
Oi! Fiz uma música sobre o tema. Coloquei no meu blog: www.umbranquinho.blogspot.com
ResponderExcluirBoa matéria! Parabéns!
Bom trabalho!
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