30.7.10

A luta por uma banda larga universal, barata e de qualidade

Reproduzo texto de Estela Guerrini sobre o Plano Nacional de Banda Larga, publicado no Espaço do Idec.

O ano de 2010 tem se revelado o ano da banda larga. Ou, ao menos, do cenário de importantes discussões a respeito do acesso à rede mundial de computadores. O governo federal está iniciando a implementação do Plano Nacional de Banda Larga. A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) abriu consulta pública – que recebe contribuições até o dia 26 de agosto – para discutir o novo regulamento sobre qualidade no serviço móvel pessoal, o celular, no qual se inclui a banda larga móvel, e deu indícios de que também vai discutir, em breve, a qualidade na banda larga “fixa”.

O Idec, como um instituto que visa defender os direitos e os interesses dos consumidores, está participando ativamente dessas definições, comparecendo em eventos públicos e indo atrás de dados que mostrem a situação precária do acesso rápido à internet no país.

De março a maio deste ano, o Instituto realizou um estudo com o intuito de comprovar uma hipótese que já possuía: a de que a banda larga no Brasil é cara, lenta e para poucos. Nenhuma das empresas pesquisadas (Ajato, GVT, Net, Oi e Telefônica) garante a entrega da velocidade ofertada.

O direito à informação do consumidor não é respeitado, na medida em que as publicidades, por exemplo, não trazem todos os aspectos relevantes do serviço ofertado como a velocidade real. Ou, por vezes, as informações fornecidas pelos sites das empresas diferem daquelas que chegam ao consumidor por meio do SAC. Por fim, a concorrência que deveria ser uma realidade para melhorar a qualidade dos serviços ofertados praticamente não existe. A pesquisa mostrou que a oferta de banda larga está concentrada nas mãos de poucas empresas, em muitos casos, o consumidor tem apenas uma opção de serviço.

Como se trata de uma afronta às regras do Código de Defesa do Consumidor, a questão da velocidade que é ofertada e não é a entregue de fato foi alvo de uma ação civil pública, movida pelo Idec, em face da Telefônica, da Oi, da Net São Paulo, da Brasil Telecom e da Anatel, que parece estar com os olhos fechados para o problema. O mérito da ação ainda não foi julgado, mas o Idec já conseguiu uma liminar que obriga essas empresas a veicular, em toda publicidade de banda larga, o alerta: “a velocidade anunciada de acesso e tráfego na internet é a máxima virtual, podendo sofrer variações decorrentes de fatores externos”. A ordem judicial garante ainda que o consumidor pode rescindir o contrato, sem ônus em caso de má qualidade do serviço.

Mesmo depois dessa vitória, ainda que parcial, a agência parece continuar ignorando a real dimensão do problema e em sua consulta pública que passa pela questão da velocidade na banda larga móvel, mais conhecida como 3G, assumiu uma posição que vai na contramão dos direitos dos consumidores. A consulta pública nº 27 traz, dentre outras, a proposta de obrigar as operadoras de banda larga móvel a entregar, tanto no download quanto no upload, no mínimo 30% do valor máximo previsto no contrato, no primeiro ano, e 50%, nos anos seguintes, nos horários de pico; e 50% no primeiro ano e 70% nos demais anos, nos demais horários. Sobre esse ponto, que talvez seja o mais polêmico da proposta, tecemos algumas considerações:

1. Inicialmente, a questão da publicidade: as operadoras anunciam uma determinada velocidade – a máxima – e não informam que essa velocidade pode sofrer variações. Tal publicidade é abusiva, à luz do Código de Defesa do Consumidor, o que já foi exposto na ação civil pública.

2. A cláusula inserida nos contratos de adesão elaborados pelas operadoras, que procura isentar a empresa da responsabilidade de entregar o serviço contratado pelo consumidor também é abusiva.

3. Essas mesmas cláusulas enumeram diversos fatores que fazem com que a velocidade possa variar, e muitas vezes essas cláusulas terminam com a expressão “dentre outros”, tornando o rol exemplificativo, cujo conteúdo poderá ser livremente preenchido pela operadora. Essa cláusula, também por esse motivo, é abusiva à luz do Código de Defesa do Consumidor.

4. Se de fato existem diversos fatores que fazem com que a velocidade varie, percebemos que a variação da velocidade é a regra, e não a exceção. A exceção é a velocidade máxima: isso é comprovado pela leitura dos próprios contratos e pelas reclamações dos consumidores. Isso nos leva à seguinte constatação: se 100% da velocidade é exceção, a operadora não pode vender/anunciar 100% e tampouco cobrar por 100%. Ela deve anunciar aquilo que de fato pode entregar, e deve cobrar por aquilo que de fato pode cobrar. Se a velocidade varia, podemos pensar que, então, a operadora pode cobrar pela velocidade mínima que tem reais condições de entregar, com vistas a cumprir o princípio do cumprimento da oferta (a empresa oferta aquilo que possui condições de entregar e, se de fato o serviço não é constante, é abusiva a cobrança pelo máximo).

A Anatel explica que no regulamento de qualidade só é possível tratar dessas percentagens de velocidade, e que os problemas na publicidade, na oferta e no contrato deverão ser tratados, em momento posterior, na consulta pública que revisará o regulamento do serviço móvel pessoal. Nos causa estranheza a Agência discutir antes a qualidade e depois o serviço propriamente dito, de forma dissociada.

No contexto de toda essa realidade, algumas conclusões podem ser traçadas: há suficientes evidências de que o serviço de banda larga no Brasil precisa mudar, tanto na esfera normativa quanto na fiscalizatória. É indiscutível que a banda larga configura, hoje e cada vez mais, um meio para a realização de direitos fundamentais, tais como direito à comunicação, direito de participação política, direito de ter voz e existir.

Em razão disso, não há mais tempo a perder: o Estado, os governos e as agências reguladoras precisam garantir que todas as pessoas, independentemente da condição socioeconômica ou da localidade, tenham acesso a um serviço de banda larga de qualidade e em harmonia com a lei consumerista. O acesso à banda larga deve ser universal, com preços justos, de acordo com a eficiência do serviço e com qualidade da velocidade contratada.

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