20.12.11

Clarín e La Nación têm monopólio da produção de papel-jornal ameaçado


A tendência ao monopólio é uma das principais características do mercado de jornais. Isso porque as barreiras de entrada para o ingresso de novos agentes neste segmento são de grande magnitude. Uma delas é o acesso à matéria-prima básica para a existência da atividade econômica – o papel jornal.

No Brasil, a multinacional Norke Skog é a única fabricante de papel-jornal, que atende todo o país, vendendo para os principais jornais. Parte do consumo nacional ainda vem da importação, principalmente do Canadá.

Apesar da falta de concorrência, um aspecto importante a ser observado na cadeia de produção do jornal no Brasil é a não existência da propriedade cruzada nesta fase, ou seja, quem produz a matéria-prima não é o mesmo grupo empresarial que produz o conteúdo.

Monopólio na produção de matéria-prima e conteúdo
Na Argentina, há também uma única indústria produtora de papel-jornal, a Papel Prensa, empresa de iniciativa privada que na década de 70 foi alvo de uma transação comercial, patrocinada pela ditadura, que resultou na compra, por parte dos grupos Clarín e La Nación de 61% das ações da empresa. Esta transação é objeto de investigação por parte da Justiça argentina.

Então, enquanto no Brasil o monopólio da produção está nas mãos de um agente econômico, digamos independente, na Argentina os proprietários da única fábrica de papel-jornal são os dois maiores grupos de comunicação (produtores de conteúdo) do país – Clarín com 49% das ações e La Nación com 22%. O Estado possuí 27,49% das ações.

Esta propriedade cruzada é sem dúvida nenhuma um risco à pluralidade e à diversidade da informação na Argentina, uma vez que quem controla a matéria-prima tem interesses comerciais para além da venda do papel.

Visto o cenário, não é de se estranhar que a iniciativa da presidente Cristina Kirchner – de apresentar um projeto que declara de "interesse público" a produção, comercialização e distribuição de papel-jornal na Argentina – tenha desagradado aos grupos Clarín e La Nación, que terão de vender suas ações caso o projeto seja aprovado, já que as novas normas proíbem que empresas de jornais impressos possam ter ações na Papel Prensa.


Mídia brasileira solidária aos colegas argentinos
A cobertura da mídia brasileira sobre o assunto foi repugnante. Mais uma vez se absteve de fazer um jornalismo isento, levando ao público as informações que envolvem a situação no país vizinho.

A imprensa brasileira omitiu que o projeto é fruto de dezenas de audiências públicas que foram realizadas em toda a Argentina e que envolveram a sociedade e proprietários de mais de 120 jornais. Ignorou que a Papel Prensa é alvo de denúncias por praticar preços diferenciados e abusivos de acordo com o veículo. Não informou que o projeto prevê que os preços do papel-jornal praticados passarão a ser os mesmos para todos os veículos (sem privilégios) o que irá garantir a democratização do acesso à matéria-prima para a produção dos jornais.

Ao invés disso, fizeram uma cobertura que reproduz os interesses dos seus “colegas” argentinos, repetindo o mantra de que a medida do governo argentino é anti-democrática e estatizante e promoverá o controle da imprensa.

Respeitando as leis de mercado
Tornar a matéria-prima para a fabricação de jornal um bem de interesse público, impedindo que os grupos de comunicação continuem no controle da Papel Prensa, é sobretudo uma medida democrática, inclusive do ponto de vista das leis do mercado, que em várias convenções internacionais restringe a propriedade cruzada e monopólio para garantir a “livre concorrência”.

Portanto, a medida do governo argentino enquadra esta atividade econômica nas leis de mercado. Como assinalou o irmão da viúva do ex-proprietário da Papel Prensa, Osvaldo Papaleo. Para ele, se a lei for aprovada, ela acabará com “um monopólio nas mãos de dois diários, um fato inverossímil no mundo que viola as leis comerciais”.

Ameaça à liberdade de imprensa?
Bom, mas espera um pouco, quem passa a controlar a produção de papel é o Estado e isso é uma ameaça a democracia. Este é o argumento que está sendo utilizado pelos veículos de comunicação e organismos de associação destes veículos como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), que emitiu nota afirmando que o projeto "dará ao governo argentino o poder de limitar o acesso das empresas jornalísticas ao papel, numa evidente ameaça à liberdade de imprensa".

Nessa linha de argumentação, evocam a Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de San José de Costa Rica –, que proíbe expressamente a aplicação de controles sobre papel jornal.

Mas o que diz esta convenção?

Em seu Artigo 13º, que trata da Liberdade de pensamento e de expressão, ela preconiza:

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda a propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Mas na Argentina o papel-jornal não estava submetido ao controle particular dos donos dos principais jornais do país? É como se no Brasil a Norke Skog fosse controlada pelo Estadão e pela Folha. Num cenário desse, não poderia haver restrição à liberdade de expressão? Isso não seria uma preocupante barreira de entrada para novos agentes atuarem no segmento do jornal imprenso? Na Argentina, das últimas décadas, o controle da Papel Prensa pelo Clarín e La Nación tem sido, na prática, um fator limitante para o surgimento de novos jornais e inclusive para a sobrevivência de outros. Isso não se diz. Porque será?

A visão de que o Estado é por si só e de antemão um inimigo da democracia é oportunamente plantada e repetida pelo capitalismo, que atualmente tem recorrido ao socorro do Estado para sobreviver. 

Com os mecanismos sociais de participação adequados e regras transparentes - que estão previstos no projeto apresentado - a iniciativa de Cristina Kirchner é mais um passo fundamental que o governo argentino dá no sentido de democratizar os meios de comunicação no país. E isso, incomoda muita gente, lá na Argentina e aqui no Brasil.

Um comentário:

  1. A imprensa brasileira só faz o que sempre fez, ou seja, defende seus interesses. A ideia de uma imprensa livre, que cumpra sua função de interesse público, é algo impensável no mundo das grandes corporações de mídia. Para essa gente, livre é aquilo onde o estado não se mete, por mais estapafúrdio que seja entender que uma instância representativa de um povo (ainda que extremamente distorcido)seja mais opressora que grupos particulares que defendem seus próprios interesses.

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