Para início de
conversa é bom deixar explícito que não há nada que seja 100% bom
ou ruim. Aliás, nem esta frase é totalmente verdade. Na vida, em
todos os seus campos, há pontos de vistas, interesses, e conjunturas
que determinam a posição que assumimos sobre os fatos.
Estive na Venezuela
durante as duas últimas eleições presidenciais, a que reelegeu
Hugo Chávez, em outubro de 2012, e a que elegeu Nicolás Maduro, em
2013. Andei por muitos lugares e pude ver alguns dos êxitos da
sociedade venezuelana e também os problemas que a aflige. Leia sobre a cobertura das eleições no ComunicaSul
A oportunidade de ir à
Venezuela me trouxe uma indignação profunda com relação ao tipo
de cobertura jornalística que a mídia internacional, mas em
particular a brasileira, faz do que acontece naquele país.
Classificado pela mídia
como ditadura, regime autoritário e tendo seus governantes sempre
adjetivados a partir deste juízo, a Venezuela é noticiada no Brasil
como um país sem liberdades democráticas de qualquer tipo. Será?
Não foi o que eu vi.
Eu vi um país que passa periodicamente por eleições para todas as
esferas de poder, com forte presença de partidos de oposição – e
que inclusive elegem governadores de estados e parlamentares.
Eu vi um país que
enfrentou de forma decidida problemas sociais crônicos tão
conhecidos dos países da América Latina: analfabetismo, falta de
acesso à atenção básica em saúde, falta de saneamento básico,
moradia e outras infraestruturas urbanas para garantir uma vida
digna. Os índices sociais da Venezuela em praticamente todas as
áreas tiveram uma melhora significativa nos últimos 15 anos. Nenhum
jornal brasileiro noticiou isso. Para ver os dados socio-econômicos
da Venezuela e de outros países acesse o relatório 2013 da Cepal -Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU.
Eu vi, também, um país
no qual os maiores e principais jornais diários estão nas mãos da
iniciativa privada e têm uma linha editorial francamente
oposicionista. Na Venezuela também há jornais diários que apoiam o
governo. O mesmo acontece na radiodifusão. Há cadeias de TV
claramente de oposição – e pasmem, ao contrário do que dizem por
aqui são as maiores e de maior penetração) e há, também, um
sistema de televisão que apoia declaradamente o governo. E aqui, não
estou reproduzindo algo que me disseram. Eu vi. Comprei todos os dias
jornais nas bancas de revistas (eram vários) em campanha aberta
contra o chavismo. Na TV, o canal Globovisión tinha quase 24 horas
da sua programação dedicada a Capriles.
Este é um cenário
impensável para o Brasil e por isso é difícil de ser compreendido
aqui. Afinal, os meios de comunicação não deveriam ser
imparciais?? Esta é a imagem auto-construída pela mídia
brasileira. Nada mais nefasto para uma democracia, já que no fundo
todos os veículos de comunicação têm uma linha editorial, pode
ser disfarçada, mas tem. E fazer jornalismo dizendo que ele é a
reprodução fiel e neutra dos fatos é um desserviço à sociedade.
A pluralidade
informativa e de opiniões na mídia contribuiu para que a população
na Venezuela tenha um elevado nível de consciência política e uma
posição sobre os rumos do país. Poucos se sentem apáticos e é
grande a participação seja para ampliar as fileiras da oposição,
seja para defender o governo.
São estas conquistas
e a possibilidade de um país optar por um caminho que privilegie a
redução das desigualdades e a soberania nacional que a elite
internacional e seus porta-vozes querem varrer do mapa. Por isso, a
lupa com a qual eles olham a Venezuela e o acento que eles dão a
cobertura precisa ser a mais negativa possível.
Não digo, com isso,
que a Venezuela seja um paraíso ou um mar de rosas. Pelo contrário.
É um país no qual os conflitos políticos estão escancarados e que
passa por profundos problemas econômicos.
E como analisar os
últimos acontecimentos
Não há um fenômeno
novo no que está em curso estes dias na Venezuela. Desde que Chávez
morreu, a oposição e a elite econômica do país viram uma
oportunidade ímpar para recrudescer sua mobilização e tentar por
um ponto final no governo bolivariano. Sem o carisma e a liderança
de Chávez, a oposição avaliou que seria mais fácil uma vitória
nas eleições.
De fato, a eleição de
Maduro, em abril de 2013, se deu por uma pequena margem de votos.
Várias podem ser as análises para explicar o resultado eleitoral,
eu destaco que a oposição ao sentir que a possibilidade de vitória
era maior se mobilizou mais e compareceu em peso às urnas. De outro
lado, uma parte dos venezuelanos que apoiam o governo não se sentiu
tão mobilizada – seja por achar que a eleição já estava ganha
com grande vantagem, seja por haver aqueles que não creditavam em
Maduro as qualidades necessárias para dar continuidade ao legado de
Chávez e, por isso, resolveram não comparecer ao pleito.
Seja como for, Maduro
se reelegeu, mas claro que a oposição, apesar de derrotada nas
urnas, se viu mais forte para dar continuidade a um movimento que
pudesse levar à queda de Maduro. Tentaram o argumento da fraude
eleitoral, um erro tático ao meu ver, já que o sistema de eleições
na Venezuela têm muitos nós de controle e para não dizer que é
impossível, é muito difícil de ser fraudada. Assista à entrevista sobre como funciona a votação na Venezuela
O governo estava ciente
que o seu principal desafio, no entanto, não era enfrentar a
oposição, mas a crise econômica. A inflação fechou 2013 em 56% e
isso afeta toda a economia. Maduro tem anunciado medidas para conter
a crise e estimular a economia. Em dezembro, anunciou um pacote com 6
medidas emergênciais: o controle de preços e do câmbio; liberação
de recursos para o setor produtivo; criação de uma corporação
para transporte de produtos; operações cívico-militares para
fiscalizar a especulação financeira; e programas para promover a
poupança.
A que foi amplamente
alardeada no Brasil foi o controle dos preços e a definição de um
limite para o lucro das empresas privadas. A medida foi mais um golpe
importante contra a elite econômica na Venezuela e, também,
desagradou as empresas estrangeiras que atuam no país. Isso elevou a
tensão interna e motivou a nova onda de mobilizações no país.
Segundo a cobertura da
mídia brasileira sobre as mais recentes manifestações os
“franco-atiradores” são membros de milícias bolivarianas e os
mortos nos conflitos (ninguém até agora foi morto pela polícia,
que se diga) foram, todos vítimas do governo de Maduro. Mas como
eles podem afirmar isso com tanta certeza. Só quem ganha com a
violência é a oposição e o governo e seus seguidores sabem muito
bem disso.
A oposição – que
estava dividida em digamos um setor mais radical representado por
Leopoldo López e a outra mais moderada liderada por Henrique
Capriles – pode se unificar caso López seja condenado. Isso deixa
Maduro e o governo bolivariano com um dilema nada simples de resolver
para o cenário político interno e externo. Libertar López pode
demonstrar internamente uma fraqueza do governo e uma vitória da
oposição. Por outro lado, condená-lo pode unificar a oposição e
dar um pretexto para que agentes internacionais ampliem a ofensiva
contra o país.
Maduro tem dados várias
declarações dizendo que está aberto ao diálogo. Chegou a convidar
os líderes dos protestos estudantis para uma reunião em Miraflores,
que não atenderam ao chamado.
Enquanto isso, a
oposição estimula a violência para enfraquecer a imagem e a
liderança de Maduro com o claro objetivo derrubá-lo. O golpismo é
uma marca forte da oposição e já foi o caminho escolhido para
derrubar Chávez em outros momentos. O governo tem que ter cautela e
não pode aceitar provocação.
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