Palavras Perdidas
Pelas noites, Avel de Alencar cumpria sua missão proibida.
Escondido num escritório de Brasília, ele fotocopiava, noite após noite, os papéis secretos dos serviços militares de segurança: relatórios, fichas e expedientes que chamavam de interrogatório as torturas e de choques armados os assassinatos.
Em três anos de trabalho clandestino, Avel fotocopiou um milhão de páginas. Um confessionário bastante completo da ditadura que estava vivendo seus últimos tempos no poder absoluto sobre as vidas e os milagres do Brasil inteiro.
Certa noite, entre as páginas da documentação militar, Avel descobriu uma carta. A carta tinha sido escrita quinze anos antes, mas o beijo que a assinava, com lábios de mulher, estava intacto.
A partir de então, ele encontrou muitas cartas. Cada uma estava acompanhada pelo envelope que não tinha chegado ao destino.
Ele não sabia o que fazer. Havia-se passado um longo tempo. Ninguém mais aguardava aquelas mensagens, palavras enviadas pelos esquecidos e pelos idos a lugares que já não eram e a pessoas que já não estavam. Eram letra morta. E, no entanto, quando lia, Avel sentia que estava cometendo uma violação. Ele não podia devolver aquelas palavras ao cárcere dos arquivos, nem podia assassiná-las rasgando-as.
No final de cada noite, Avel metia em seus envelopes as cartas que tinha encontrado, punha novos selos e as colocava no correrio.
Eduardo Galeano, no Livro Bocas do Tempo
Oi Renata estava navegando no google e me deparei com seu texto.
ResponderExcluirQuero informar que está crônica do Galeano foi inspirada no projeto que originou o livro "Brasil Nunca Mais" coordenado por D. Paulo Evaristo Arns. Um abraço, Avel.