2.4.09

O Estado no Brasil: balofo para quem?

Nesta quinta-feira, o jornalista Rolf Kuntz assina artigo no jornal O Estado de S.Paulo intitulado "O Estado balofo e seus defensores". Pelo título, não resta dúvida que este senhor reza, ainda, sobre a desgastada cartilha do Estado mínimo neoliberal.

Nele, Kuntz lança sua metralhadora contra pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, publicada em 30 de março, que faz uma análise do emprego público no Brasil, traçando um quadro evolutivo interno e comparativo com o cenário internacional. Com 17 páginas, o estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla empreendida pelo Ipea - "Emprego e Trabalho no Setor Público Federal".

O motivo da ira do jornalista é que o estudo mostra que, comparativamente, o peso do serviço público no Brasil é menor do que o verificado na maioria dos países avaliados, ficando atrás apenas do Japão, Coréia e Suíça. O país com maior peso relativo do serviço público é a Dinamarca com 39,2%. Os Estados Unidos aparecem com 14,8% e o Brasil com 10,7%. Nos países da Europa, o estudo ressalta que a adoção no pós-guerra das políticas de bem estar social representam o principal motivo para o avanço do setor público.

No caso da comparação com os vizinhos latinoamericanos, o Ipea mostra - com referência em dados da Cepal do ano de 2006 para 16 países - que em 7, o emprego público tem peso maior que o brasileiro, em 13 outros são equivalentes e apenas os mais pobres como Bolívia, Equador e Colombia apresentam índices menores.

O senhor Kuntz usa da retórica para desqualificar o levantamento, convocando, inclusive, "uma missa em memória do outrora admirado e respeitado Ipea". Acusa o instituto de desvelada apologia do empreguismo e diz que o estudo - grifado por ele entre aspas - é tosco. Afirma que os critérios utilizados para realizar o comparativo internacional é "esquisitíssimo" e que "se o confronto dos números fosse correto, a conclusão seria inevitávelmente diferente". Do raciocínio de Kuntz deriva a conclusão de que "o aparelho estatal brasileiro é, sim, inchado e balofo".

Adjetivos à parte - e foram muitos - o jornalista não esclarece que o critério de comparação internacional utilizado pelo Ipea levou em conta a definição da OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico para o conceito de emprego público.

No que diz respeito à evolução do emprego público no país, o Ipea mostra que de 1995 a 2002 o crescimento anual foi modesto, em torno de 1,55%, e que houve um incremento entre os anos de 2003 e 2007, passando para 3,63% ao ano. Dados que correspondem com o modelo neoliberal adotado nos anos FHC e com uma ligeira mudança de postura a partir do governo Lula.

Não há desenvolvimento possível para um país continental como o Brasil, com tantas desigualdades regionais, portador de carências históricas nos serviços mais básicos para a população como educação, saúde, habitação, sem a efetiva presença do poder público.

Olhar essa realidade a partir de centros urbanos bem estruturados gera necessariamente uma distorção. E, nesse caso, não basta assistir da poltrona a miséria dos rincões brasileiros. É preciso ir até onde o Estado não está para ver, efetivamente, a falta que ele faz, e o que essa ausência nega para milhões de brasileiros. Talvez seja esse choque de realidade que falte aos tantos engravatados como o sr. Kuntz que, de seus notebooks, ditam regras como se elas fossem uma verdade absoluta.

Num momento de crise internacional, o Estado - que deveria ser mínimo, mas que é inchado e balofo - pode injetar milhões na economia para salvar bancos, montadoras, seguradoras e financiar a farra especulativa do setor privado, mas não pode ampliar seus tentáculos para alcançar aqueles que ninguém alcança.

O documento do Ipea conclui que no atual contexto de crise "é justamente o momento para se discutir o papel que pode assumir o emprego público na sociedade brasileira". Os dados levantados mostram que "existe espaço para a criação de ocupações emergenciais no setor público, especialmente nas áreas mais afetadas pelo desemprego".

Ao final, o documento destaca outro papel fundamental do Estado: de induzir um processo mais profundo de mudanças na economia brasileira, que reproduzo na íntegra. "Mas há ainda outro vetor de atuação do emprego público no contexto de mudanças esperadas para a economia brasileira nos próximos anos. Este vetor está relacionado à necessidade de ampliação de gastos em infra-estrutura física e social no Brasil, que seria mais profícua se viesse acompanhada da definição de um novo padrão de crescimento econômico, baseado no fortalecimento do mercado interno de consumo e vinculado a uma nova forma de repartição dos ganhos de produtividade social, com redução de jornada de trabalho, reforma tributária em favor de uma tributação mais progressiva e garantia dos direitos sociais. Nesse contexto de uma política econômica e social mais estruturante, a ampliação do emprego público seria não só inevitável (para assumir a ampliada gama de serviços públicos de qualidade requeridos pela população, bem como para executar as obras da infraestruturaurbana), como também seria acompanhada de uma ampliação também do emprego no setor privado voltado para o mercado interno de consumo ampliado pela recuperação econômica".

Apesar de não ter se referido diretamente a este aspecto do documento, talvez seja essa diretriz que tenha, de fato, levado o jornalista Rolf Kuntz a dedicar sua pena para desqualificar o Ipea.

Clique aqui para acessar na íntegra a pesquisa do Ipea

Um comentário:

  1. Rê, o que dizer de um jornal que não faz menção alguma pro emprego de fachada da filha do FHC e, ao mesmo tempo, quer "denunciar" o funcionalismo público? Esses caras estão ficando desesperados, e não à toa o diretor de conteúdo do site do Estadão afirmou que para sobreviver eles têm que fechar e cobrar pelo conteúdo...

    Beijos!

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