A imprensa impõe certos costumes engraçados. E não é só por aqui não. Em seus Cadernos de Saramago, o escritor comenta a insistência dos jornalistas em lhe extrair suas dicas de leitura para o verão. Ora, no Brasil também vemos nas vésperas da estação quente esse tipo de artigo nos veículos, como se o verão fosse a estação da leitura. Saramago coloca bem as coisas em seus devidos lugares: o tempo da leitura é todo o tempo.
A questão do verão, pelo menos aqui no Brasil, talvez seja explicada por ser o período das férias prolongadas, o que em tese daria às pessoas mais tempo para se dedicarem à leitura.
Mas ai, me deparo com o inverno. O friozinho que nos dá aquela preguiça boa de ficar em casa, embaixo das cobertas, tomando um bom chá e, porque não, lendo um livro, ao invéz de ficarmos vidrados em frente à TV. Nada contra a televisão, mas é fato que esta caixa de imagens e vozes tem ocupado cada dia mais o nosso espaço de lazer e de leitura.
Saramago, confessa que foi vencido pela insistência e diz que acabou fornecendo a um jornalista uma lista de leitura com suas indicações, sua "família de espírito". Ao final dela, o escritor convida os leitores a fazerem o mesmo, sua "família de espírito".
Eis minha familia:
Drummond, porque o sentimento do mundo é tanto que nos cala, mas o poeta tinha as palavras: "Tenho palavras em mim buscando um canal, sou roucas e duras, irritadas, enérgicas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir".
Pessoa, porque ele não é único - é multiplo. O homem urbano, o homem do campo, o homem da fé, o homem cético. O homem intenso de vida: "Beber a vida num trago, e nesse trago todas as sensações que a vida dá. Em todas as suas formas...". Meu livro de cabeceira.
Goethe, porque Werther é o personagem mais irrepreensívelmente apaixonado. Pobre Werther.... sofreu tanto por amor... "Ó Deus, vêde meu sofrimento e procurai por-lhe um termo!".
Dostoiévski, porque Raskólhnikov é o personagem mais complexo, "o homem cindido, atormentado pela contradição, entre as exigências que ele faz à vida, à humanidade e a si mesmo, e a capacidade de realizá-las".
Jorge Amado, por sua Seara Vermelha, por ter trazido à tona os subterrâneos da liberdade e narrado as aventuras dos capitães da areia.
Rubem Fonseca, porque são mesmo vastas as emoções e imperfeitos os pensamentos.
Guimarães Rosa, porque ele é o Brasil.
Garcia Marquês, porque as borboletas são como poesia nos cem anos da família Buendia e o amor é menino em qualquer tempo.
Galeano, porque as palavras são andantes. "Sabe calar-se a palavra, quando já não encontra o momento que a necessita nem o lugar que a quer? E a boca, sabe morrer?".
José Saramago, por tanta lucidez, por falar do homem, da terra, do trabalho e da história. Por falar da humanidade e do mundo: "Visto de Monte Lavre, o mundo é um relógio aberto, está com as tripas ao sol, à espera de que chegue a sua hora".
Tantos ficaram de fora...
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