8.9.09

A aids é um assassino em massa?

Será que o mau-gosto, o politicamente incorreto, aquilo que choca são as melhores maneiras de se construir consciências e desenvolver campanhas humanitárias? Ao menos a organização alemã "Regenbogen" acha que sim e criou uma campanha lastimável para tratar de tema tão importante.

Aids is a mass murder (Aids é um assassino em massa) foi o conceito desenvolvido pela agência publicitária Das Comitte, que criou comerciais onde um casal aparece fazendo sexo num quarto e, a certa altura, o rosto de Hitler, ou Stálin ou Saddam Hussein aparece no papel masculino, personificando o mal, no caso, a Aids.

A campanha foi lançada essa semana e, segundo um de seus criadores, teve o intuito de “sacudir as pessoas”. "Nos questionamos que rosto poderíamos dar ao vírus, e certamente ele não podia ser bonito", justificou Dirl Silz, diretor de criação da campanha.

De todos os pontos de vista, a abordagem da doença – ou do combate a ela – realizada pela campanha é lastimável. Ela reproduz preconceitos, estereótipos e desinformação.

Foram décadas de esforço para acabar com os estigmas e preconceitos que a doença provocou na sociedade, com inúmeras iniciativas para integrar o portador de HIV com a dignidade e o respeito que ele merece. Contudo, essa campanha, além de pôr abaixo esse esforço, mostra que ainda há um caminho longo a se seguir para esclarecer que a aids é uma doença que pode ser controlada e que não há motivo para discriminar os portadores da doença.

Isso para não falar no preconceito que as pessoas portadoras de HIV podem sofrer com a associação da aids com tais persanalidades, como externou em postagem no youtube Steph Stance, em video que já conta com mais de 70 mil visualizações.

Sexo, drogas e assassinos em massa
A mensagem principal do vídeo não é a de que é preciso usar a camisinha para combater a Aids. Ao contrário, a saída seria evitar o sexo, que está retratado num contexto negativo. Com isso, a campanha ataca o sexo e não o vírus.

Para não dizer que, nesta abordagem, se ignoraram solenemente outras formas de contágio como o uso de seringas compartilhadas, seja para a administração de drogas, seja como recurso de saúde em lugares carentes; uso de sangue contaminado, transmissão vertical, entre outras.

Falta de medicamento também mata
Também não se diz, e isso é muito grave, que a vida de pessoas portadoras de HIV pode ser uma vida longeva e praticamente normal quando se tem acesso adequado aos medicamentos que compõe o coquetel anti-aids. A questão é: a morte por aids está associada, em parte, ao alastramento do vírus, mas não só. O monopólio exercido pelas multinacionais farmacêuticas que veem a saúde como uma fonte de lucro e impedem o acesso de centenas de milhares de pessoas aos medicamentos é a outra face dessa doença.

No Brasil, por exemplo, uma saída do governo federal para garantir um dos medicamentos que compõem coquetel anti-retroviral foi a “quebra da patente” do Efavirenz. Não fosse isso, o programa nacional de combate à aids estaria gastando milhões de reais a mais e estaria atendendo milhares de pessoas a menos.

Ainda a mulher passiva
O comercial de 30 segundos coloca a mulher como o elemento passivo da relação sexual e a vítima do mal. É verdade que o principal vetor de transmissão ainda é o masculino, mas há muitos casos em que a mulher é a portadora e transmissora do vírus. Essa abordagem reproduz o machismo, reforçando uma imagem passiva da mulher e, ainda, pode induzir a desinformação: quem transmite a aids é o homem e não a mulher.

Personagens do mal
Outra questão, que tem despertado o principal viés polêmico sobre a campanha é a utilização de rostos de personagens da história que em maior ou menor grau de consenso estão associados a governos ditatoriais que promoveram a morte de milhares de pessoas.

Primeiro, a campanha ignora o fato de que, pode haver na própria Alemanha, por exemplo, aqueles que não enxerguem algo negativo em Hitler. Há inúmeros grupos nazistas na Alemanha e em outros países que veem o führer como um herói. Outros podem se perguntar, porque outros personagens considerados tão nefastos para a história não completam a lista da campanha, como George W. Bush, por exemplo?

Mas, o pior mesmo, é revestir a aids e consequentemente o portador da aids num vilão, na encarnação do mal. Não se trata, aqui, de defender Hitler, Stálin ou Saddam Hussein, mas de saber se a analogia foi apropriada ou não. Eu acho que não.

Não se trata, aqui, de defender Hitler, Stálin ou Saddam Hussein, mas de saber se a analogia foi apropriada ou não. Eu acho que não.


Veja o vídeo:

Um comentário:

  1. Renata:

    Minha opinião é que, além de tudo o que você disse com muita propriedade, há sim muito preconceito político na "campanha". Penso que, independente do que se possa pensar de um ou outro personagem dessas historietas de mau gosto, os idealizadores da "campanha" inculíram questões ideológicas conservadoras ao associar Stálin e Saddam Hussein a Hiltler. Por que não Bush? Ou Ronald Reagan? Ou Tony Blair?

    Osvaldo Bertolino

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