Fui uma entre outros 10
participantes que expuseram seus pontos de vista acerca da
importância deste projeto para o Brasil, nem sempre a partir de
visões convergentes sobre aspectos centrais da proposta que está em
debate – o relatório do deputado Alessandro Molon de 20 de
novembro de 2012.
Mas é disso que se
trata o processo democrático: permitir a discussão exaustiva sobre
assuntos polêmicos para construir posicionamentos e tomar decisões
com base na apresentação dos mais variados argumentos.
Contudo, uma posição
apresentada por alguns parlamentares que acompanharam atentamente o
debate me surpreendeu: a de que não seria necessária a existência
de uma lei para definir os princípios que devem balizar o uso da
internet.
Sob o argumento de que
a internet já é livre e de que criar qualquer lei ou regra para o
seu uso seria, isso sim, limitar a sua liberdade, alguns deputados se
colocaram contrários a existência do Marco Civil. Se a Internet
nasceu livre e efetivamente é um ambiente de liberdades, para que
então criar uma lei que reafirme isso? Este argumento – sustentado
principalmente pelo deputado Miro Teixeira, mas também por outros
presentes – me parece representar a visão extremada de que o
mercado é suficientemente eficiente para definir as suas regras de
atuação. Outra defesa que vai no
mesmo sentido é a da autoregulamentação, que na prática é deixar
nas mãos do livre mercado a adoção das regras para o uso da
internet. Nestes dois cenários, o usuário e a liberdade na rede
ficam reféns das empresas.
Fugindo da responsabilidade
Essas propostas, em
última instância, são uma saída confortável para a Câmara dos
Deputados não precisar se posicionar publicamente sobre o principal
conflito de interesses em torno do Marco Civil: o das empresas de
telecomunicações em contraposição ao interesse público.
Isso porque o Marco
Civil, ao estabelecer as balizas para o uso da internet no país, o
faz garantindo o princípio da neutralidade de rede, ou seja,
obrigando que as operadoras de telecomunicações – que são as
empresas responsáveis pela oferta de conexão à internet – tratem
de forma isonômica os pacotes de dados que trafegam na Internet.
Explicando: não importa a aplicação, o serviço ou o conteúdo que
eu, usuária da internet, acesso; minha conexão com internet deve me
permitir ir aonde eu quiser, sem discriminação da operadora.
Esse princípio, que
pode parecer natural para todos os que usamos a internet hoje, está
sendo questionado pelas empresas de telecomunicações. Elas querem
alterar a lógica da relação que nós temos com a internet a partir
do desenvolvimento de novos modelos de negócios que lhes serão mais
rentáveis e, ainda por cima, lhes permitirão continuar atuando no
limite da capacidade instalada de infraestrutura, sem a necessidade
de fazer maiores investimentos. Por isso, a urgência da aprovação do Marco Civil, para impedir esta prática predatória das empresas.
No lugar de velocidade, vamos contratar destinos
Hoje nós contratamos
um pacote de dados disponível no mercado que oferta velocidades
diferenciadas de navegação – 1 megabit, 10 megabits etc. Quem
tem mais recurso para pagar mais, poderá ter uma conexão em maior
velocidade para acessar os conteúdos, aplicações e serviços da
internet. Quem navega numa conexão de 1 mega terá mais dificuldade
para assistir a um vídeo, por exemplo, enquanto alguém que tenha
condições de pagar um pacote de 50 megabits poderá fazê-lo sem
interrupções, com mais nitidez.
Mas isso não é
suficiente para as Teles, que querem montar pacotes para vender
serviços e aplicações, não velocidade. Eles ofertariam “para a
livre escolha do usuário, como gostam de frisar”, pacotes básicos
para acesso a e-mail e alguma rede social, pacotes intermediários
que permitam ao usuário fazer, por exemplo, transações financeiras
e econômicas, pacotes plus para quem tiver interesse em assistir
vídeos e assim por diante.
Esse modelo de negócios, que cria um pedágio na rede, violenta o direito do usuário na
internet e acaba com a liberdade na rede, porque destrói o princípio
da neutralidade. É como se na rede elétrica, as operadoras criassem
pacotes diferenciados de acordo com o uso da eletricidade: pacotes
básicos para iluminação, pacotes intermediários para equipamentos
eletrodomésticos como lavadoras e secadoras de roupa e pacotes plus
para quem quiser ter um aquecedor, por exemplo.
Interesse público ou privado??? E agora Câmara?
Esse conflito de
interesses – o das empresas de telecomunicações e o direito do
usuário – é irreconciliável. A discussão em torno dele se
prolonga há anos e não parece haver denominador comum que resolva a
questão. Os argumentos estão explicitados e muito bem compreendidos
por todos.
O Marco Civil da
Internet talvez seja a lei mais amplamente discutida no país. Seu
processo de criação e amadurecimento é um exemplo de exercício da
democracia participativa, que envolveu os mais variados setores
sociais. Dizer, nesta altura do campeonato, que no âmbito do
parlamento e do governo ainda há dúvidas sobre a necessidade de o
Brasil ter uma lei que se posicione sobre esse conflito é, no
mínimo, tergiversação.
Se o Marco Civil ainda
não foi votado, infelizmente, não é porque existem dúvidas sobre
a sua necessidade, nem porque a polêmica central esteja mal
esclarecida. Pelo contrário. Ele não foi votado justamente porque
uma parte dos deputados, mas principalmente o Ministério das
Comunicações, se renderam ao interesse das Teles e estão
trabalhando nos bastidores para alterar o artigo 9º do Marco Civil, justamente o que trata da neutralidade.
Inclusive, é revelador
o fato de o Ministério não ter comparecido à audiência pública na Câmara. Em eventos aqui e acolá, o ministro Paulo Bernardo tem
dado declarações vagas sobre a neutralidade, sempre dizendo que ela
não seria a solução para os problemas na internet, que precisaria
ser flexibilizada etc. Contudo, quando o ministério é questionado
sobre efetivamente qual sua posição sobre o tema em debate no Marco
Civil eles se esquivam, desconversam. Como admitir publicamente que o
governo está operando para fazer valer o interesse comercial das
empresas de Telecom?
O movimento social
permanece alerta e na luta em defesa da neutralidade da rede.
Qualquer tentativa de alterar este princípio no texto do Marco Civil
contará com a nossa oposição. A hora é de mobilização. Este é
um assunto de interesse de toda a sociedade. Fiquemos alertas!
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