3.10.14

Uruguai: Fábrica de cerâmica é recuperada por cooperativa de trabalhadores

Em 2009, a falência da Cerâmica Olmos, no Uruguai, deixou 753 trabalhadores desempregados. A única indústria de pisos, azulejos e louças sanitárias do país foi fechada depois de 75 anos de funcionamento, em função de dívidas astronômicas contraídas por seus proprietários. Há um ano a fábrica foi recuperada e reinaugurada depois de todo um processo de luta dos trabalhadores que durou 4 anos.

Já sabendo da grave situação financeira pela qual a empresa passava e cientes da possibilidade do seu fechamento, os trabalhadores se organizaram e se prepararam para resistir. Gerações inteiras da mesma família trabalhavam na empresa, que empregava principalmente os moradores do bairro de Empalme Olmos, que fica no departamento de Canellones, na grande Montevideo. “O fechamento da cerâmica seria a morte de todo o resto que vive ao seu entorno, os pequenos comércios e até o transporte aqui na região, gira em torno dessa empresa”, disse Luis Gonzáles, vice-presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Cerâmicos – CTC, que hoje é responsável pela gestão da empresa recuperada.

“Nós permanecemos aqui, acampados, e não deixamos que a empresa fosse fechada. Fazíamos rondas externas 24 horas, e contamos com o apoio e solidariedade importante de outros sindicatos para nos manter no interior da fábrica”, conta Jorge Gonzáles, presidente da Cooperativa CTC. Em 1º de Julho de 2013, luta dos trabalhadores da antiga Metzen y Sena conquistou a sua maior vitória com a reabertura da empresa.

Jorge Gonzáles começou a trabalhar na cooperativa em 1987, com 19 anos. Veio para a Zona de Empalme Olmos com a família, em busca de trabalho. Para ele, que hoje preside a cooperativa, o sentimento diante das conquistas obtidas é de muito orgulho. “Entrei com a minha família, era um trabalho e aos poucos passamos a tomar um carinho por este lugar, fomos nos comprometendo com as pessoas e participando da luta para defender os trabalhadores. Eu era o presidente da Comissão de Trabalhadores quando a fábrica quebrou. Aqui comigo trabalham meus três irmãos, muitos vizinhos, familiares, amigos de toda uma vida que iam perder seus empregos. E lutamos para impedir isso com toda a nossa força. Toda essa história nos dá um sentimento de pertencimento. Para mim é muito gratificante, me dá muito orgulho. Hoje eu não sou o Jorge, sou o representante de 358 trabalhadores.

Organização, lutas e conquistas

Foram vários os passos trilhados desde a ocupação da fábrica até a sua reabertura. Primeiro se fundou, em 2010, a cooperativa dos trabalhadores, como explica Jorge, mas só no final de 2012, o juiz lhes concedeu o uso das instalações. “E foi muito difícil porque alguns de nós foram capazes de suportar esse tempo. Conquistamos a extensão especial do seguro-desemprego, mas muitos tiveram que encontrar outra saída. Em Empalme Olmos não existem outras alternativas de trabalho. Se esta fábrica fosse em Montevidéu, as pessoas iriam procurar outros empregos e não haveria a necessidade de retomar a atividade da fábrica. Pior, seria quase inviável retomá-la, porque sem o conhecimento ou as habilidades dos que já trabalhavam aqui teria sido impossível”.

O segundo passo foi obter os recursos necessários para reativar a fábrica. A luta, neste caso, foi para alterar a carta orgânica do Banco da República do Uruguai e com isso permitir que a instituição pudesse financiar projetos autogestionados por trabalhadores. “Conquistamos, então, o decreto presidencial que alterou a lei orgânica do Banco e definiu que 30% dos seus excedentes comporiam um fundo para financiar projetos cooperativistas: o Fundo para o Desenvolvimento (Fondes). Então, fizemos um projeto apoiado pelo Ministério do Trabalho e Indústria e lutamos para conseguir um crédito do Fondes, no valor 12 milhões de dólares, para renovar as instalações, comprar peças, e ter capital. Este valor deve ser pago em 15 anos (com carência nos dois primeiros anos) com um juro de 4% ao ano”, explica Jorge Gonzáles.

A todo vapor

A Olmos funciona 24 horas com três turnos de trabalho e mantém as 3 linhas de produtos já existentes (linha de cerâmicas de mesa, linha sanitária e a linha de revestimentos) e ainda agregou uma quarta linha de produtos, com a produção de tijolos para a construção civil.

Atualmente está produzindo aproximadamente 100 mil metros de revestimento por mês. Sua produção abastece o mercado interno e também já começa a retomar os contatos internacionais para a exportação, com clientes na Bolívia, Chile, Argentina e Estados Unidos.

A produção de tijolos – agregada a partir de uma iniciativa dos próprios trabalhadores, que construíram as máquinas e aproveitaram um forno que estava subutilizado – é de aproximadamente 100 mil/unidades por mês. “A matéria-prima estava aqui, à disposição – é o barro. As máquinas fizemos nós mesmos e, com isso, incrementamos nossa produção”, explica Jorge. Agora, a cooperativa aguarda a chegada de um forno que virá do Brasil e que quando entrar em operação vai triplicar a capacidade de produção de tijolos.

“Estamos mostrando que uma cooperativa de trabalhadores pode gerir uma empresa com produtos inclusive de qualidade superior aos de um empreendimento comercial privado. Neste primeiro ano de funcionamento, a empresa faturou cerca de 1 milhão e 100 mil dólares. Espera-se que no próximo ano esse valor dobre.

Outra preocupação dos trabalhadores, que agora são também os responsáveis pelo empreendimento e pelo seu sucesso, é manter seus produtos sempre em sintonia com o que há de mais moderno no mercado, desde o design até as questões ambientais. “Por isso, por exemplo, desenvolvemos um sistema de descarga de água para vasos sanitários que consomem 4,5l ou 2,5l de água apenas”, conta Luis Gonzáles, vice-presidente da CTC.

Reduzir desigualdades

Uma marca importante dos empreendimentos cooperativos é tentar reduzir as diferenças salariais e de condições de trabalho entre as diferentes frentes de atuação dentro da empresa. Neste sentido, a Cooperativa dos Trabalhadores Cerâmicos de Empalme Olmos também dá um exemplo importante. “Procuramos discutir as questões mais importantes nas Assembleias. E este foi um dos temas principais no início. Havia quem defendesse que todos os salários fossem iguais. Mas nós não concordamos com isso. Era preciso ter remunerações minimamente diferentes para tarefas e responsabilidades distintas. Senão, inclusive, o interesse em crescer e aprender se perderia, afinal, todos estariam no mesmo patamar, não haveria para onde ir mais”, explicou Jorge Gonzáles.

O que decidiram foi criar 6 categorias de trabalho na fábrica. O nível 1 seria o menor, onde se enquadram os aprendizes e iniciantes da fábrica. Estes ganham 98 pesos uruguaios por hora de trabalho (aproximadamente 9,8 reais). Já a faixa 6, que é a maior, na qual estão os diretores da fábrica e coordenadores, tem um salário correspondente ao valor de 180 pesos uruguaios por hora, (18 reais). Ou seja, a diferença entre o menor e o maior salário não chega a ser o dobro. A maioria dos trabalhadores, que estão nas faixas 2 e 3 (e que são os que trabalham diretamente na produção), tem salários de 113 pesos uruguaios e 128 pesos uruguaios por hora de trabalho respectivamente.

Além dos trabalhadores cooperativados, há um pequeno número de profissionais que foram contratados. “Alguns técnicos especializados, engenheiros, funções que ainda não temos como ocupar, mas que estamos trabalhando para formar, investindo muito na capacitação dos nossos cooperativados, para que tenhamos cada vez menos dependência de outros profissionais”, explica o vice-presidente da CTC.

A Olmos é a única fábrica de produtos cerâmicos do Uruguai. Ficou 4 anos parada exatamente num momento em que houve um crescimento da economia do país, que impulsionou a construção civil e consequentemente aumentou a demanda por cerâmicas sanitárias e revestimentos. Então, o que ocorreu é que para atender a esta demanda o mercado se inundou de produtos importados. E a indústria nacional perdeu, neste período, uma importante oportunidade de crescimento.

Por isso, a próxima luta dos trabalhadores é aprovar uma lei para que uma parte das compras públicas seja feita obrigatoriamente com produtos de indústrias nacionais. No caso da Olmos isso seria um incremento importante para o seu crescimento.

Imprensa ocultou a conquista

Para se chegar a esta importante vitória, que é dos trabalhadores mas também é da sociedade uruguaia, já que se recuperou uma importante indústria nacional, foi necessário o apoio e a solidariedade de vários sindicatos e da Central dos Trabalhadores (PIT-CNT). Um dos sindicatos que estiveram em todo este processo foi o Sunca – Sindicato Únicos Nacional da Construção e Anexos.

Infelizmente, essa conquista foi ignorada pelos meios de comunicação do Uruguai, que não noticiaram a reabertura da fábrica para não precisar dizer que isso foi uma conquista dos trabalhadores organizados na cooperativa.

“Nossa conquista não repercutiu em nenhum meio de comunicação. Nós do Sunca e de outros sindicatos estivemos aqui lado a lado com os trabalhadores para manter a fábrica, para garantir o acampamento e impedir que se fechasse a fábrica, porque se fechasse seria muito difícil para recuperar. Por isso, quando em julho agora se completou um ano da reabertura da fábrica, nós mandamos confeccionar 40 mil canecas de chopp aqui na Olmos e presenteamos os 40 mil trabalhadores do Sunca com essas canecas, para que cada trabalhador que apoiou esta luta tivesse um pedacinho da Olmos em suas casas”, diz Javier Diaz, da direção nacional do Sunca.


**Nota da autora – Conhecer essa experiência foi realmente muito emocionante e renova as esperanças de que é possível construir um mundo melhor. Para não me esquecer nunca disso, eu também trouxe um pouquinho de Olmos comigo, na memória e na mala.

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