Em 2009, a falência da
Cerâmica Olmos, no Uruguai, deixou 753 trabalhadores desempregados.
A única indústria de pisos, azulejos e louças sanitárias do país
foi fechada depois de 75 anos de funcionamento, em função de
dívidas astronômicas contraídas por seus proprietários. Há um
ano a fábrica foi recuperada e reinaugurada depois de todo um
processo de luta dos trabalhadores que durou 4 anos.
Já sabendo da grave
situação financeira pela qual a empresa passava e cientes da
possibilidade do seu fechamento, os trabalhadores se organizaram e se
prepararam para resistir. Gerações inteiras da mesma família
trabalhavam na empresa, que empregava principalmente os moradores do
bairro de Empalme Olmos, que fica no departamento de Canellones, na
grande Montevideo. “O fechamento da cerâmica seria a morte de todo
o resto que vive ao seu entorno, os pequenos comércios e até o
transporte aqui na região, gira em torno dessa empresa”, disse
Luis Gonzáles, vice-presidente da Cooperativa dos Trabalhadores
Cerâmicos – CTC, que hoje é responsável pela gestão da empresa
recuperada.
“Nós permanecemos
aqui, acampados, e não deixamos que a empresa fosse fechada.
Fazíamos rondas externas 24 horas, e contamos com o apoio e
solidariedade importante de outros sindicatos para nos manter no
interior da fábrica”, conta Jorge Gonzáles, presidente da
Cooperativa CTC. Em 1º de Julho de 2013, luta dos trabalhadores da
antiga Metzen y Sena conquistou a sua maior vitória com a reabertura
da empresa.
Jorge Gonzáles começou
a trabalhar na cooperativa em 1987, com 19 anos. Veio para a Zona de
Empalme Olmos com a família, em busca de trabalho. Para ele, que
hoje preside a cooperativa, o sentimento diante das conquistas
obtidas é de muito orgulho. “Entrei com a minha família, era um
trabalho e aos poucos passamos a tomar um carinho por este lugar,
fomos nos comprometendo com as pessoas e participando da luta para
defender os trabalhadores. Eu era o presidente da Comissão de
Trabalhadores quando a fábrica quebrou. Aqui comigo trabalham meus
três irmãos, muitos vizinhos, familiares, amigos de toda uma vida
que iam perder seus empregos. E lutamos para impedir isso com toda a
nossa força. Toda essa história nos dá um sentimento de
pertencimento. Para mim é muito gratificante, me dá muito orgulho.
Hoje eu não sou o Jorge, sou o representante de 358 trabalhadores.
Organização, lutas e
conquistas
Foram vários os passos
trilhados desde a ocupação da fábrica até a sua reabertura.
Primeiro se fundou, em 2010, a cooperativa dos trabalhadores, como
explica Jorge, mas só no final de 2012, o juiz lhes concedeu o uso
das instalações. “E foi muito difícil porque alguns de nós
foram capazes de suportar esse tempo. Conquistamos a extensão
especial do seguro-desemprego, mas muitos tiveram que encontrar outra
saída. Em Empalme Olmos não existem outras alternativas de
trabalho. Se esta fábrica fosse em Montevidéu, as pessoas iriam
procurar outros empregos e não haveria a necessidade de retomar a
atividade da fábrica. Pior, seria quase inviável retomá-la, porque
sem o conhecimento ou as habilidades dos que já trabalhavam aqui
teria sido impossível”.
O segundo passo foi
obter os recursos necessários para reativar a fábrica. A luta,
neste caso, foi para alterar a carta orgânica do Banco da República
do Uruguai e com isso permitir que a instituição pudesse financiar
projetos autogestionados por trabalhadores. “Conquistamos, então,
o decreto presidencial que alterou a lei orgânica do Banco e definiu
que 30% dos seus excedentes comporiam um fundo para financiar
projetos cooperativistas: o Fundo para o Desenvolvimento (Fondes).
Então, fizemos um projeto apoiado pelo Ministério do Trabalho e
Indústria e lutamos para conseguir um crédito do Fondes, no valor
12 milhões de dólares, para renovar as instalações, comprar
peças, e ter capital. Este valor deve ser pago em 15 anos (com
carência nos dois primeiros anos) com um juro de 4% ao ano”,
explica Jorge Gonzáles.
A todo vapor
A Olmos funciona 24
horas com três turnos de trabalho e mantém as 3 linhas de produtos
já existentes (linha de cerâmicas de mesa, linha sanitária e a
linha de revestimentos) e ainda agregou uma quarta linha de produtos,
com a produção de tijolos para a construção civil.
Atualmente está
produzindo aproximadamente 100 mil metros de revestimento por mês.
Sua produção abastece o mercado interno e também já começa a
retomar os contatos internacionais para a exportação, com clientes
na Bolívia, Chile, Argentina e Estados Unidos.
A produção de tijolos
– agregada a partir de uma iniciativa dos próprios trabalhadores,
que construíram as máquinas e aproveitaram um forno que estava
subutilizado – é de aproximadamente 100 mil/unidades por mês. “A
matéria-prima estava aqui, à disposição – é o barro. As
máquinas fizemos nós mesmos e, com isso, incrementamos nossa
produção”, explica Jorge. Agora, a cooperativa aguarda a chegada
de um forno que virá do Brasil e que quando entrar em operação vai
triplicar a capacidade de produção de tijolos.
“Estamos mostrando
que uma cooperativa de trabalhadores pode gerir uma empresa com
produtos inclusive de qualidade superior aos de um empreendimento
comercial privado. Neste primeiro ano de funcionamento, a empresa
faturou cerca de 1 milhão e 100 mil dólares. Espera-se que no
próximo ano esse valor dobre.
Outra preocupação dos
trabalhadores, que agora são também os responsáveis pelo
empreendimento e pelo seu sucesso, é manter seus produtos sempre em
sintonia com o que há de mais moderno no mercado, desde o design até
as questões ambientais. “Por isso, por exemplo, desenvolvemos um
sistema de descarga de água para vasos sanitários que consomem 4,5l
ou 2,5l de água apenas”, conta Luis Gonzáles, vice-presidente da
CTC.
Reduzir desigualdades
Uma marca importante
dos empreendimentos cooperativos é tentar reduzir as diferenças
salariais e de condições de trabalho entre as diferentes frentes de
atuação dentro da empresa. Neste sentido, a Cooperativa dos
Trabalhadores Cerâmicos de Empalme Olmos também dá um exemplo
importante. “Procuramos discutir as questões mais importantes nas
Assembleias. E este foi um dos temas principais no início. Havia
quem defendesse que todos os salários fossem iguais. Mas nós não
concordamos com isso. Era preciso ter remunerações minimamente
diferentes para tarefas e responsabilidades distintas. Senão,
inclusive, o interesse em crescer e aprender se perderia, afinal,
todos estariam no mesmo patamar, não haveria para onde ir mais”,
explicou Jorge Gonzáles.
O que decidiram foi
criar 6 categorias de trabalho na fábrica. O nível 1 seria o menor,
onde se enquadram os aprendizes e iniciantes da fábrica. Estes
ganham 98 pesos uruguaios por hora de trabalho (aproximadamente 9,8
reais). Já a faixa 6, que é a maior, na qual estão os diretores da
fábrica e coordenadores, tem um salário correspondente ao valor de
180 pesos uruguaios por hora, (18 reais). Ou seja, a diferença entre
o menor e o maior salário não chega a ser o dobro. A maioria dos
trabalhadores, que estão nas faixas 2 e 3 (e que são os que
trabalham diretamente na produção), tem salários de 113 pesos
uruguaios e 128 pesos uruguaios por hora de trabalho respectivamente.
Além dos trabalhadores
cooperativados, há um pequeno número de profissionais que foram
contratados. “Alguns técnicos especializados, engenheiros, funções
que ainda não temos como ocupar, mas que estamos trabalhando para
formar, investindo muito na capacitação dos nossos cooperativados,
para que tenhamos cada vez menos dependência de outros
profissionais”, explica o vice-presidente da CTC.
A Olmos é a única
fábrica de produtos cerâmicos do Uruguai. Ficou 4 anos parada
exatamente num momento em que houve um crescimento da economia do
país, que impulsionou a construção civil e consequentemente
aumentou a demanda por cerâmicas sanitárias e revestimentos. Então,
o que ocorreu é que para atender a esta demanda o mercado se inundou
de produtos importados. E a indústria nacional perdeu, neste
período, uma importante oportunidade de crescimento.
Por isso, a próxima
luta dos trabalhadores é aprovar uma lei para que uma parte das
compras públicas seja feita obrigatoriamente com produtos de
indústrias nacionais. No caso da Olmos isso seria um incremento
importante para o seu crescimento.
Imprensa ocultou a
conquista
Para se chegar a esta
importante vitória, que é dos trabalhadores mas também é da
sociedade uruguaia, já que se recuperou uma importante indústria
nacional, foi necessário o apoio e a solidariedade de vários
sindicatos e da Central dos Trabalhadores (PIT-CNT). Um dos
sindicatos que estiveram em todo este processo foi o Sunca –
Sindicato Únicos Nacional da Construção e Anexos.
Infelizmente, essa
conquista foi ignorada pelos meios de comunicação do Uruguai, que
não noticiaram a reabertura da fábrica para não precisar dizer que
isso foi uma conquista dos trabalhadores organizados na cooperativa.
“Nossa conquista não
repercutiu em nenhum meio de comunicação. Nós do Sunca e de outros
sindicatos estivemos aqui lado a lado com os trabalhadores para
manter a fábrica, para garantir o acampamento e impedir que se
fechasse a fábrica, porque se fechasse seria muito difícil para
recuperar. Por isso, quando em julho agora se completou um ano da
reabertura da fábrica, nós mandamos confeccionar 40 mil canecas de
chopp aqui na Olmos e presenteamos os 40 mil trabalhadores do Sunca
com essas canecas, para que cada trabalhador que apoiou esta luta
tivesse um pedacinho da Olmos em suas casas”, diz Javier Diaz, da
direção nacional do Sunca.
**Nota da autora –
Conhecer essa experiência foi realmente muito emocionante e renova
as esperanças de que é possível construir um mundo melhor. Para
não me esquecer nunca disso, eu também trouxe um pouquinho de Olmos
comigo, na memória e na mala.
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