14.5.07

13 de maio e o debate sobre as políticas afirmativas

Muito pouco se falou neste domingo, 13 de maio, sobre a Abolição da Escravidão no Brasil. Data que, por mais que seja simbólica e encerre contradições entre pesquisadores acerca do processo de libertação dos escravos no país, é um marco na história nacional e suscita reflexões sobre a situação dos negros no Brasil, desde a sua chegada até os dias de hoje.

E, se detivermos o nosso olhar para a atualidade, o que veremos é uma sociedade repleta de distorções, preconceitos e em meio a um embate sobre se existe ou não racismo no Brasil e quais os meios para promover a inclusão social dos negros que, como mostra qualquer estatística (escolaridade, emprego, renda, inclusão digital, presença na mídia, população carcerária etc) é a parcela da população sobre a qual incide os índices mais negativos.

Nos últimos anos, o movimento negro e o debate entre vários setores colocaram na pauta a necessidade do Estado adotar políticas de ação afirmativa para garantir a inclusão do negro. A questão ganhou ampla repercussão, principalmente quando surgiu a proposta de cotas para o ingresso nas universidades públicas, se estendeu ao debate do Prouni e ganhou ainda mais relevo com a discussão na Câmara dos Deputados do projeto que cria o Estatuto da Igualdade Racial, do Senador Paulo Paim.

A reação veio forte e culminou na divulgação, em 30 de maio de 2006, de um Manifesto Contra as Cotas, assinados por artistas, pesquisadores, pessoas de movimentos sociais e até do movimento negro.

Agora, em 04 de maio, o lançamento do livro “Divisões perigosas — Políticas raciais no Brasil contemporâneo” (Ed. Civilização Brasileira), organizado por Peter Fry, Yvonne Maggie, Marcos Chor Maio, Simone Monteiro e Ricardo Ventura Santos, reúne textos de 38 autores para se contrapor à criação do Estatuto da Igualdade Racial ou de qualquer política de ação afirmativa voltada para a inclusão dos negros, sob o argumento central de que se o Estado Brasileiro reconhecer oficialmente que há desigualdade racial no país, corre-se o risco de fomentar o racismo e ver o país “partido” ao meio.

Os mais variados argumentos são suscitados nos artigos, dos mais rasos, ou seja, de fácil desconstrução, como o do poeta Ferreira Gullar que afirma que “nenhuma pessoa de hoje tem culpa do que ocorreu no país há séculos. Não se pode punir os que não têm acesso a cotas ou ficará implícito que os brancos pobres são escravocratas. Temos que acabar com o racismo de um lado e de outro”; até alguns bem mais elaborados como o que combate o conceito científico de raça, feito pela pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz, Simone Monteiro: “Não podemos esquecer que o conceito de raça humana foi criado pelo racismo científico e ganhou enorme projeção com as políticas eugênicas. Apesar da biologia e da genética mostrarem que não há raças humanas, o conceito ainda é utilizado para separar e discriminar grupos sociais em função da cor”.

Segundo os organizadores, os autores do livro não desconsideram a existência da desigualdade, mas são contrários às medidas em curso para superá-las. E o que propõem? A universalização dos direitos e do acesso à saúde, educação, moradia.

Quem em sã consciência vai se contrapor à luta pela universalização dos direitos no Brasil? O problema é que para obtermos vitória nessa luta, ou seja, atingirmos a universalização, promovendo a igualdade social no país, infelizmente, ainda vai demorar algum tempo.

E o que fazer enquanto isso? Fechar os olhos para o fato de que, dentro da desigualdade social do país, existe um recorte racial, ou seja, que são os negros os mais atingidos? Ignoramos as estatísticas que mostram que, por exemplo, as mulheres negras são as que ganham os menores salários em qualquer ocupação?

Será que não cabe ao Poder Público, como mandatário da sociedade, implementar políticas, transitórias – que fique bem claro – para dar condições a jovens negros ingressarem num curso superior? Neste caso das cotas, o argumento de que o ingresso de cotistas rebaixaria o nível de qualidade dos cursos já foi superado. Todas as avaliações mostram que são os bolsistas os estudantes de melhor desempenho em suas turmas. Ou seja, basta dar uma oportunidade e, mais uma vez, é isso que estão querendo negar aos negros do Brasil, seja por convicção ideológica, seja por inocência.

4 comentários:

  1. Anônimo1:43 PM

    Uma das características do pensamento fundamentalista é fechar os olhos para tudo o que difere das verdades por ele apregoadas.
    Ao que tudo indica, nossa jornalista Renata foi uma das que leu, não gostou e não entendeu o que o livro "Divisões perigosas" tentou dizer.
    Ao dar seu vaticínio pessoal sobre o tema em debate (políticas de racialização no Brasil), a jornalista conclui: "É isso que estão querendo negar aos negros do Brasil". Pois é!... Imersa na mistificação neo-racista das ditas "políticas afirmativas", nossa jornalista não entendeu que uma das questões sérias com relação à qual esse livro se remete é de que não dá (por nenhum critério objetivo que seja) pra definir quem é dessa ou daquela raça no Brasil (ou em qualquer lugar da Terra). "Raça negra" incluída. Então, como é que se pode "negar" algo a uma classe de coisa que não existe? Só com muito fundamentalismo mistificador se pode acreditar na existência de raças. A história do pensamento ocidental deu a esse tipo de atitude intelectual o nome de "racismo". É isso que se quer legalizar e institucionalizar no Brasil.

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  2. Se o Ferreira Gullar diz que “nenhuma pessoa de hoje tem culpa do que ocorreu no país há séculos", então por que os negros ainda sofrem as conseqüências de algo que deveria ter acabado há mais de 100 anos?

    Nossa sociedade tem esses dois pesos e duas medidas pra tudo. Temos sim que beneficiar os negros, como meio de tentar compensar uma injustiça histórica, ainda não compensada até hoje.

    Muitos citam alguns parcos exemplos de negros que "se deram bem". São parcos mesmo. A grande maioria ainda sofre preconceito, é marginalizado e não tem acesso às maravilhas do capitalismo.

    Ufa! Bejos, Rê!

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  3. Anônimo6:38 PM

    Parabéns pelo texto Renata. Prepare-se, agora os contrários às cotas irão ficar repetindo como papagaio a afirmação feita pelo antropologo Julio Cesar de Tavares ao jornal Estado de São Paulo de que racista tem que apanhar na rua. E o Ferreira Gullar hein! Sofrível.
    Ótimo texto, nós temos 37 universidades pública com o sistema e o sucesso é visível.
    abraço.

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  4. Primeiro, os brancos foram qualificados de racistas por submeterem os negros à escravidão e à condições indignas de existência - que perduram até hoje. Agora, os negros e os brancos que lutam para que a sociedade reconheça e repare os danos causados aos negros por terem sido, pelos brancos, submetidos a essas condições indignas de vida é que são taxados de racistas.
    É certo que há grande polêmica sobre o conceito científico e antropológico de raça. De fato ele surgiu para criar hierarquias sociais e, consequentemente dominação.
    Mas, agora, quando o conceito é utilizado para reparar uma injustiça histórica ele é negado, ou seja, usa-se o argumento da miscigenação, da ausência de raças. Basta andar pelas ruas para ver que a miséria e a exclusão social no Brasil têm, sim, cor.
    Mas o debate é válido e certamente da polêmica a sociedade sairá mais democrática e fortalecida. Inclusive, respeito a opinião de muitos dos intelectuais que assinaram artigos no livro, em que pese não concorde. Mas é preciso se apresentar, com cara e nome, para o debate.

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