Houve uma vez que foi a primeira vez, e então o bicho humano ergueu-se e suas quatro patas se transformaram em dois braços e duas pernas, e graças às pernas os braços ficaram livres e puderam fazer casa melhor que a copa da árvore ou a caverna do caminho. E tendo-se erguido, a mulher e o homem descobriram que é possível fazer amor cara a cara e boca a boca, e conheceram a alegria de olhar nos olhos durante o abraço de seus braços e o nó de suas pernas.
Janela sobre a história universal, Livro dos Abraços, Eduardo Galeano
Desde os primórdios, a pergunta mais recorrente que inquieta e instiga o homem é a sua origem, a origem das coisas e do universo. Não são apenas os filósofos e cientistas que a buscam. Somos todos.
Na ausência de elementos que pudessem dar base física para essa origem, nossos ancestrais buscaram no etéreo a resposta – surgia de forma rudimentar o que acabou se convencionando como a criação, o nascimento do ser-humano e das coisas a partir de algum ser superior e divino. Os que ousaram trilhar caminhos diferentes dos convencionais para explicar a nossa origem acabaram na forca ou em fogueiras.
Charles Darwin, felizmente, viveu numa época de mais luzes. Aos 22 anos, o jovem inglês partiu, no ano de 1831, para uma viagem expedicionária que percorreu mares do norte e do sul por 4 anos. O contato com culturas, espécies e terras tão diferentes foi o ponto inicial de uma jornada muito maior e que mudaria em definitivo a maneira como a sociedade veria o homem, os animais e sua origem.
Da detalhada observação, das várias perguntas sem respostas, da paciência em testar hipóteses variadas e verificar suas validades, da leitura de outras teorias e da ousadia e coragem em romper paradigmas, 28 anos depois de sua viagem Darwin escreveu A origem das Espécies. Uma contribuição original e determinante sobre o surgimento e a evolução que até hoje desperta polêmica e é alvo de estudo e contestação.
Tal sucedeu-se em meio a um período de descobertas em outras áreas do saber, por pesquisadores que bebendo das ideias lançadas por pensadores antigos, foram moldando o que acabou por chamar-se da ciência moderna.
Comemorar o bicentenário de Darwin é fazer uma homenagem à ciência. Não se pode perder de vista que as descobertas científicas não são contribuições de um único homem nem obras do acaso. A própria visão de Darwin sobre as espécies pode ser aplicada, também, para a ciência – das pequenas descobertas às revolucionárias, todas são produto e síntese da evolução de ideias acumuladas por vários pesquisadores ao longo de um período histórico.
Ideias semelhantes podem surgir, ao mesmo tempo, da observação de situações similares em lugares distintos. Pouco antes de publicar seu livro, Darwin tomou contato com o estudo de outro pesquisador que simultaneamente a ele desenvolveu uma teoria da evolução igual a sua. E uma vez anunciadas, tais teorias servirão de base para novos estudos e elas mesmas serão modificadas e evoluirão para novos conceitos e teorias.
A possibilidade de efetivar trocas e ampliar os alcances dos estudos realizados é o que aprimora o conhecimento, é o combustível das novas descobertas. E, 200 anos após o nascimento de Darwin, a forma de homenagear a ciência é tentar socorrê-la, libertá-la da prisão a que está confinada.
A pesquisa científica está cada vez mais atrelada à pesquisa tecnológica, ao desenvolvimento de novos produtos para o mercado, seja insumos farmacêuticos, alimentos, brinquedos, móveis, qualquer coisa. Como o mercado rege a pesquisa, então o capitalismo criou um novo tipo de propriedade: a propriedade intelectual. Com isso, ergueram-se muros entre os grupos de pesquisa que, impedidos de dialogar e trocar experiências e observações, tornaram-se núcleos isolados, ou pior, competidores; que sem interagir não produzem a energia necessária para dar saltos maiores.
Mas nunca viu-se antes na história dessa indústria vital - que é a ciência - tantas novas descobertas, pode alguém questionar. De fato, mas poderiam ser muitas mais e o que é mais importante, poderiam ser outras e em outros campos do saber que trariam maior benefício para a humanidade. E, que não avançam devido à falta de investimento do Estado e, principalmente, pela ganância das empresas que só têm interesse em desenvolver produtos que tragam os dividendos necessários para a sua bonança.
Se estivesse vivo nesse início de milênio, Darwin teria comprovado da maneira mais cruel um dos pontos de sua teoria da evolução – a de que o ser mais forte prevalece sobre o mais fraco – só que a força, aqui, se exerce através do poder econômico e pela exploração. A seleção natural foi substituída pela seleção econômica – basta lançar o olhar sobre os milhares de africanos que morrem todos os anos vítimas da miséria. E teria comprovado, ainda, o que ele chamou ser o grande delito: “Se o mistério da pobreza não for causado pelas leis da natureza, mas pelas nossas instituições, grande é o nosso delito”.
Caríssima, mesmo silente, sempre dou uma passada por aqui. O duro mesmo é ler as manchetes das revistas tipo "os erros de Darwin 200 anos depois"... Como se a ciência fosse uma loteria de apostas, e não um trabalho de construção coletiva do conhecimento, como vc bem ressalta. Logo vindo dessa imprensinha marron cujos erros normalmente não sobrevivem nem por 200 minutos...
ResponderExcluirBeijo
Ainda bem que o Darwin naceu na ingraterra, se tivesse no continente ele fui quemado vivo pela igreja.
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