8.12.09

Vida e morte na Roosevelt

Eu nasci em 1971 e, bebê ainda, fui morar na Rua Rego Freitas, próximo à Igreja da Consolação. No coração de São Paulo, já tomado por grandes edifícios, o único espaço público para brincar, caminhar e praticar alguma atividade física era o recém inaugurado conjunto arquitetônico da Praça Roosevelt.

Eu amava aquela praça. Criança, nada entendia do desestre urbanístico que ela representava, mas ficava fascinada com suas rampas, o parquinho, o amplo espaço para lazer. Na parte que ladeava a rua Martinho Prado e a Igreja, muitas árvores e banquinhas de flores abafavam o zunido dos carros. Eu subi em muitas árvores ali, corria para cima e para baixo. Minha avó costumava comprar flores naquelas bancas, na época a moda era ter em casa o Bico de Papagaio. Havia, ainda, no centro da praça, um Pão de Açúcar. Era lá que fazíamos as compras.

Na Rua Martinho Prado havia várias lojas, um restaurante chique (era o que a minha mãe sempre me dizia), um brechó que eu adorava visitar e uma papelaria, onde comprei muitas vezes meus cadernos escolares.

Foi na Roosevelt que exercitei meus primeiros passos no patins – primeiro aqueles de ferro que colocávamos sobre o tenis; depois, de tanto azucrinar, consegui subir ao topo do pódio e ganhei um patins de bota da marca Reebok, o mais badalado da época. A rampa de acesso do pavimento inferior à parte de cima da praça era a minha pista de patins. Tomei muitos tombos por ali.

Na parte de cima, a Praça Pentagonal abrigou durante muito tempo uma escola de circo. Eu gostava de passear ali, ver as piruetas dos aprendizes ou ficar sentada em um daqueles bancos de concreto vendo a cidade do alto. Achava lindo.

O outro lado da praça, que faz divisa com a Rua João Guimarães Rosa, era o ponto de encontro de quem estudava no Caetano de Campos. Eu estudei ali em períodos distintos. Em 1979 e depois em 1990. No primeiro período, a praça era como uma extensão da escola. As primeiras paqueras infantis, as primeiras travessuras.

Foi na década de 80 que a praça começou a apresentar os sinais mais graves de deterioração. Antes mesmo já havia muitas goteiras, rachaduras, as luzes não funcionavam. Mas o tempo é implacável e sem manutenção, sem intervenção do poder público a praça começou a morrer. Os muitos cantos e recantos escuros tornaram-se ótimo abrigo para moradores de rua. A falta de policiamento propiciou o aumento de roubos e furtos. Uma escola infantil que funcionava na praça sofreu inúmeras depredações. Aos poucos os comerciantes foram abandonando o local e também as pessoas, as crianças e a Roosevelt foi sepultada à luz do dia.

Na década de 90, quando voltei a morar na Rego Freitas e a estudar no Caetano de Campos a praça era algo sombrio, a ser evitado de dia e de noite. As ruas ao seu redor morreram com ela. Mesmos os cineclubes que ali resistiam ainda acabaram por sucumbir.

Logo em 1991 fui morar na Rua Augusta, há duas quadras da Roosevelt. Uma amiga, na época estudante de arquitetura que divida o apartamento comigo, fez um projeto de estudo sobre a Praça. Ela me dizia que a Roosevelt era um desastre arquitetônico e que já haviam projetos e ideias de mudar o projeto da Praça. Vinte anos se passaram e nada, nada foi feito.

Até que, recentemente, grupos teatrais começaram a ocupar a Rua Martinho Prado, e com seus bares-teatros resgataram um pouco da vida na região, que convive ainda com os esqueletos da Roosevelt.

O episódio envolvendo o dramaturgo Mário Bortolloto ganhou divulgação nos jornais, mas não é o primeiro caso de violência na região. Se, de uma lado, a Roosevelt é vítima do abandono dos espaços públicos, do império do privado como locus de circulação e convivência, do outro Mário Bortolloto é vítima dessa degradação, da ausência do poder público, de segurança e de projetos revitalizantes para a cidade. Enquanto a cidade estiver abandonada, as pessoas continuarão expostas à violência.

Torço pela recuperação de Mário Bortolloto e fico na torcida para que restituam a vida da praça

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