Folha 'descobre' vida inteligente na TV
Jornal precisa segurar o impulso de
autopromoção e ser transparente ao tratar do seu programa na
Cultura
Sem nenhuma modéstia, a campanha
publicitária do "TV Folha", que invadiu até as sagradas
páginas de opinião do jornal, decretou: o telespectador finalmente
terá algo para ver nas noites de domingo.
Ainda é cedo para dizer se a promessa
foi cumprida ou se cabe procurar o Procon. Uma estreia é pouco até
para avaliar um restaurante.
Mas o que já ficou claro é que o "TV
Folha" tenta se diferenciar dos outros telejornais: não tem
âncora alinhavando as reportagens, os colunistas aparecem
"descontraídos", a edição busca uma linguagem de
documentário e o tom é de crítica -sobrou até para o Chico
Buarque.
O primeiro programa começou com um
assunto velho, a ação policial na cracolândia, que aconteceu há
dois meses, mas serviu de recado aos que acreditam que a Folha, ao
usar um espaço da TV Cultura, engatou um namoro com o governo do
Estado. A tese da reportagem era que a operação, ineficaz no
combate ao problema dos viciados em drogas, visava às eleições.
Louvável, a independência editorial
não é suficiente para encerrar a discussão sobre a validade dessa
parceria, em que uma empresa privada explora espaço de uma emissora
pública.
O jornal não explicou direito as bases
desse acordo. Trata-se de uma permuta: em troca dos 30 minutos na
televisão, a Folha cede páginas de anúncios para a Cultura. As
despesas do "TV Folha" são do jornal, mas são compensadas
pela receita publicitária. "A TV Cultura tem como ganhos um
programa jornalístico de qualidade a custo zero, além de espaço de
divulgação na Folha", diz a assessoria de imprensa da
emissora.
Não houve concorrência, mas a Folha
não foi a única convidada. "Não cabe licitação, porque
todos os grandes jornais de São Paulo foram chamados em condições
de igualdade", diz a Cultura. Segundo a emissora, o programa do Estado de S. Paulo deve estrear no segundo semestre, o Valor ainda não apresentou uma proposta e a revista Veja desistiu.
A Secretaria de Redação diz que
considera válida a terceirização de espaço em emissora pública,
desde que seja um recurso para "melhorar e diversificar a
programação".
A audiência da estreia mostrou que
"melhorar" a televisão não é fácil. Mesmo com tanta
propaganda, o programa obteve 1 ponto no Ibope, um aumento de 0,3 em
relação ao da semana anterior (cada ponto equivale a 60 mil
domicílios na Grande São Paulo).
O modesto crescimento e a "boa
receptividade do público" foram alardeados numa série de
pseudorreportagens autopromocionais, que chamavam de "pesquisas
Datafolha" sondagens feitas com um número pífio de
participantes. Só um texto crítico foi publicado, sob a vinheta
"não gostei", na "Ilustrada".
"Está exagerado, querem nos
convencer de que o programa foi um sucesso. Mas isso tem que ser
feito com conteúdo, não com essa espécie de merchandising",
reclamou o leitor Robinson Alves, 28, curador.
O jornal, que noticia com destaque cada
perda de audiência da Rede Globo, será submetido agora a um teste
de transparência. Para mostrar respeito pela inteligência do
leitor, como prometeu na campanha publicitária do "TV Folha",
precisará ser duro com a sua nova criação, que já nasceu
petulante, desdenhando a concorrência.
***
Já que o assunto é vida inteligente
na televisão, uma sugestão: o programa "Roda Viva" (TV
Cultura, 22h) entrevista amanhã o jornalista Alberto Dines, que
completou 80 anos em fevereiro. Dines publicou a pioneira coluna de
crítica de mídia, o "Jornal dos Jornais", nesta Folha, de
1975 a 77. Na sua estreia, escreveu: "Cabe à
imprensa provar em sua própria carne que abrir-se à crítica não é
prova de vulnerabilidade, mas de amadurecimento. O que prejudica é o
silêncio". Atualíssimo.
por Suzana Singer, publicado na coluna do Ombudsman neste domingo, 18 de março
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