14.3.12

Missa na TV pode? É democrático?


O debate sobre a pertinência ou não da transmissão de programas de cunho confessional na TV é um tema espinhoso e que desperta paixões, já que a fé que cada indivíduo confessa envolve devoção e não é assunto que se trata no campo da razão.

Por isso, este debate precisa ser feito a partir da reflexão sobre os direitos individuais e coletivos na programação de emissoras em canais abertos e que são objeto de concessão pública.

Para o católico, mas também para o evangélico, protestante, adventista, kardecista, religiões de matrizes africanas, budistas e tantas outra religiões que são praticadas no Brasil, ter um espaço para o seu culto na TV pode até fazer algum sentido. Mas o problema está exatamente ai: o Brasil tem mais de 100 religiões identificadas pelo IBGE em seu último Censo e infelizmente elas não cabem todas na programação da TV.

E pior, além disso, a televisão não pode ser utilizada para fazer proselitismo religioso, ou seja, pregar uma fé em detrimento de outras, principalmente porque o Brasil é um Estado Laico e as televisões são concessões públicas deste Estado Laico. Está na Constituição: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Programação religiosa na TV Brasil

Esse problema se aprofunda ainda mais quando se trata de programas religiosos em emissoras públicas, como a TV Brasil e as rádios que compõe o sistema da EBC – Empresa Brasil de Comunicação. Numa televisão não comercial – portanto pautada pelo interesso público – a abordagem sobre a religiosidade deve ser feita a partir de sua interface cultural e da formação do povo brasileiro. Nesta abordagem, sem dúvida, aparecerão tratadas de forma histórica e socialmente contextualizadas as influências das diversas religiões para a construção do Brasil.

No entanto, não é razoável que uma emissora pública veicule missas ou cultos desta ou daquela religião. Qual o critério para a escolha, como ficam as centenas de outras religiões que não terão espaço? Como fica o respeito à pluralidade e à diversidade que devem ser valores observados nos meios de comunicação, principalmente os de massa como a TV e o rádio?

Por isso, considero muito oportuna as iniciativas do Conselho Curador da TV Brasil em enfrentar essa discussão. O mais fácil, por tratar-se de tema espinhoso e que desperta paixões, seria deixar o dito pelo não dito e manter o bonde andando. Como diz o ditado, para que mexer em casa de vespeiro? Mas o papel de um Conselho Curador que prima pelo debate que interessa à sociedade brasileira é exatamente o de enfrentar as polêmicas e os temas difíceis.

Um país que quer aprofundar sua democracia não pode temer a polêmica e o contraditório. Não pode ter medo de fazer perguntas. Não pode haver tema interditado à discussão pública, não deve haver tabus. Os conservadores é que defendem o status quo, que são avessos ao debate democrático. Por isso são contra a discussão da descriminalização do aborto, da união civil entre homossexuais, do uso de células tronco para fins científicos e medicinais, da discussão sobre a regulamentação dos meios de comunicação, entre tantos outros assuntos que precisam ser discutidos sob a ótica não dos interesses individuais ou de grupos privados, mas das necessidades de uma sociedade que quer avançar e se desenvolver de forma democrática.

Seja qual for a decisão que a EBC adote sobre este tema, a importância do debate estabelecido em consultas e audiências públicas envolvendo amplos setores já contribuiu sobremaneira para amadurecer o processo democrático e ampliar a reflexão sobre a questão dos programas religiosos.

Ao adotar este caminho, a EBC dá um passo importante no sentido de fortalecer o seu caráter público, num momento em que esta modalidade de comunicação está sendo atacada e desmontada por setores privados e por governos que não têm compromisso com a dimensão democrática que a comunicação precisa ter.

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