Cena do filme A montanha dos 7 abutres |
Final da década de 30
do século XI, Honoré de Balzac publica um livro que se
transformaria num clássico da literatura, Ilusões Perdidas. Em
centenas de páginas, o escritor francês conta a história de Lucien
de Rubempré que se aventura pelo jornalismo e pelas entranhas da
aristrocracia decadente numa busca insaciável por riqueza, fama e
poder.
Li Ilusões Perdidas há
muitos anos. A lucidez ácida e crítica de Balzac é um verdadeiro
balde de água fria sobre os que, iludidos pela ideia glamourizada do
jornalismo, acreditam que este é um ofício a serviço da sociedade
e das pessoas. Uma vocação autruista de tornar público os
acontecimentos de forma desinteressada, ou ainda um instrumento da
sociedade para fiscalizar o Estado. “O jornal já não é feito
para esclarecer, mas adular opiniões. Por isso, daqui a algum tempo,
todos os jornais serão covardes, hipócritas, infames, mentirosos,
assassinos; vão matar ideias, sistemas”, vaticina Balzac.
Este tempo é hoje.
Espere! Mas os
jornalistas não são os jornais, o jornalista não é a imprensa.
Mas é impossível pensar no profissional apartado de sua profissão.
Não há um jornalista ideal. Há o trabalhador, a pessoa de carne e
osso que é uma das muitas peças na ingrenagem na indústria
jornalística.
E nestes tempos, este
trabalhador em sua maioria está anestesiado, está calado ou
conivente. Afinal, o jornalista não se considera trabalhador. O
jornalista é um intelectual, um colega do patrão. Colega?
Dic. sm e sf: Pessoa
que pertence ao mesmo colégio, à mesma classe, escola, instituição,
corporação, repartição ou sociedade, principalmente literária ou
científica, que outra ou outras; aquele que preenche as mesmas
funções, que exerce a mesma profissão ou atividade que outras
pessoas: colegas de escola, de magistratura.
A alcunha “coleguinha”
– já bravejou tantas vezes o emérito Bernardo Kucinski – acabou
com a identidade de classe do jornalista. Dono do jornal e jornalista
são coleguinhas não porque são amigos, mas porque são “iguais”,
pertencem à mesma “sociedade”. Pelas relações no cotidiano um
trabalhador até pode se tornar amigo do chefe. Há amizade entre as
diferentes classes sociais, mas isso não borra a identidade de um ou
outro.
Esse “apagamento
social do trabalhador” é uma estratégia de adestramento. É uma
cooptação. Isso é alimentado nas salas de aula de jornalismo e
pela visão glamourizada da profissão. Todos querendo riqueza, fama
e poder, tudo à imagem e semelhança de Bonner e Miriam Leitão.
Mas a realidade é
totalmente outra. O jornalista é um trabalhador. Está precarizado.
Está pejotizado. Não tem autonomia para narrar uma notícia, não
tem autonomia para definir quem serão suas fontes, não tem
autonomia para definir manchetes. Perdeu a autonomia e foi se
adequando. Foi se moldando à tal da linha editorial. Foi perdendo o
direito de ter direito à cláusula de consciência. Foi perdendo a
consciência. Tudo em nome do emprego, na verdade do trabalho, porque
emprego mesmo ele não tem mais há muito tempo: carteira assinada,
férias, 13º salário, licença maternidade, licença paternidade,
fundo de garantia, aposentadoria. Afinal, jornalista não é
trabalhador é empreendedor. É um funcionário dele mesmo. É um
CNPJ de Pessoa Jurídica.
Ué, mas isso é o que
querem para todos nós: Reforma da Previdência, Reforma
Trabalhista... É o fim dos direitos conquistados. Os que já sentem
na própria pele o que significa a perda destes direitos deveriam ser
os primeiros a se levantarem contra as reformas. Mas não. Estão
paralisados, estão anesteciados, estão defendendo o interesse dos
coleguinhas, que “somos todos nós jornalistas”, afinal? Ou não?
É o que alerta a Fenaj
em nota sobre o dia de hoje, “como parte da classe trabalhadora,
os/as jornalistas também serão afetados pelas reformas em curso,
caso sejam implementadas. Essas reformas significam precarização
das relações de trabalho, instabilidade, rebaixamento de salários
e trabalho sem fim. Com elas, perde o país e perdem os trabalhadores
e trabalhadoras”.
Cético, Balzac diz que
“a igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra
capaz de a tornar um fato”. Discordo veementemente. Ilusões são
projeções fictícias da realidade. É fundamental não
alimentá-las.
Luta não é ilusão.
Luta é atitude, é empoderamento. A história da humanidade nos
mostra que a luta organizada da sociedade, dos trabalhadores,
transforma a realidade e garante conquistas.
Por isso, apesar de não
termos muito o que comemorar, temos muito sobre o que discutir, sobre
o que refletir. Sobre a profissão e o profissional. Sobre nossa
identidade de classe. Sobre a urgência de nos colocarmos na luta, ao
lado dos trabalhadores e das trabalhadoras contra as Reformas. Contra
os retrocessos em curso no país.
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